Filme vencedor do Festival Gramado de 2022 acaba de estrear na Netflix Divulgação / Saci Filmes

Filme vencedor do Festival Gramado de 2022 acaba de estrear na Netflix

Enquanto o cinema norte-americano e europeu parece ser uma indústria muito bem-estabelecida. No Brasil, o cinema tem mais a ver com expressão artística e cultural, também uma forma de protestar, argumentar e manifestar visões sociais menos privilegiadas, embora ser cineasta pareça ser um trabalho para quem nasceu com dinheiro o bastante para não precisar ganhar a vida preso em um escritório.

As obras cinematográficas brasileiras mais famosas são aquelas que mostram exatamente os pontos de vista de mundo mais suscetíveis. Talvez tudo tenha começado com o Cinema Novo, mas a tradição permanece com “Bacurau”, “Cidade de Deus”, “Central do Brasil”, “Abril Despedaçado”… A regra pode até ter exceções, mas continua sendo verdadeira.

“Noites Alienígenas” mantém esse perfil e entrega algo ainda mais novo. O filme não é apenas sobre jovens vulnerabilizados e marginalizados, ele é sobre negros e indígenas do Norte do Brasil, mais precisamente, no Acre. Primeiro longa-metragem gravado no estado, o filme de Sérgio Carvalho é descrito por ele como “ferida aberta na Amazônia”. Isso, porque o enredo fala sobre o tráfico de drogas, que está intrinsicamente ligado ao garimpo e ao desmatamento ilegal na região.

O filme é baseado no livro do próprio diretor, escrito cinco anos antes. Com as transformações sociais que o Acre atravessou ao longo desse período, o cineasta sentiu que era necessário adaptar o roteiro. Enquanto o livro foca mais na dependência química, o longa-metragem precisou abordar o impacto das facções criminosas que chegaram do Sudeste ao Norte do país.

“Noites Alienígenas” levou cinco kikitos no Festival Internacional de Cinema de Gramado, nas categorias de melhor filme, melhor ator (Gabriel Knoxx), melhor ator coadjuvante (Chico Diaz), melhor atriz coadjuvante (Joana Gatis) e menção honrosa. A ovação foi sentida no Norte do país, que se sentiu representado pela obra de Carvalho. O longa superou “Marte Um” no festival, inscrito pelo Brasil para a disputa ao Oscar.

A história se passa na periferia de Rio Branco, onde vivem Paulo (Adanilo Reis), Sandra (Gleice Damasceno) e Rivelino (Gabriel Knoxx), três amigos de infância que veem suas vidas se transformar pela criminalidade que assola seu bairro. Rivelino é um talentoso rimador e pintor que, sem chance de crescer honestamente em seu ambiente, vende drogas para o traficante Alê (Chico Diaz). Paulo é um jovem indígena viciado em drogas e com um filho pequeno, que ele fez com Sandra. Longe de ser um pai exemplar, o rapaz problemático despeja sobre a mãe de seu filho, uma boa moça, a responsabilidade da criação e sustento.

O filme explora diversos prismas da opressão social em seus personagens centrais, dividindo entre eles o protagonismo. Sandra é a mulher e mãe guerreira, explorada pelo patriarcado, pela sobrecarga materna e a expectativa social de que ela esteja presente pelo filho. Paulo é oprimido, porque os indígenas foram arremessados de sua cultura para nossa sociedade capitalista, que os marginaliza e os obriga a ocupar a escala mais baixa da pirâmide social. Já Rivelino é condenado a desperdiçar seu potencial pela falta de oportunidade, de espaço e de dinheiro. Ele é invisível para o mundo, porque é apenas mais um rapaz pobre, embora seja talentoso.

Independente e baixo-orçamento, o filme de Sérgio Carvalho  neutraliza as dificuldades com seu enredo inteligente, sensível e original. Em um mundo de filmes hollywoodianos de super-heróis caríssimos e medíocres, “Noites Alienígenas” é a verdadeira Sétima Arte.


Filme: Noites Alienígenas
Direção: Sérgio Carvalho
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 9/10