Delirante e racional, filme com Jet Li na Netflix foi o primeiro a prever o multiverso Divulgação / Sony Pictures

Delirante e racional, filme com Jet Li na Netflix foi o primeiro a prever o multiverso

Há uma ironia perspicaz em situar distopias em Los Angeles, a “cidade mais limpa da América”, como se diz em alguma quadra dos 87 minutos de “O Confronto”, mas no filme de James Wong, a Cidade dos Anjos, a meca do cinema, e, por extensão, das artes, da fantasia e, por que não?, da beleza naqueles domínios para além do rio Grande, adequa-se como poucas às intenções do diretor quanto a desdobrar um tópico que consegue encerrar uma natureza destacadamente vesana e racional na mesma proporção. Pode ser que o interesse no assunto tenha despontado nas telas pela primeira vez em 1982, no “Blade Runner” de Ridley Scott, que foi capaz de absorver o caos narrativo de Philip K. Dick (1928-1982) e transformar boa parte de “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” (1968) num filme esteticamente impecável, que contrapunha um policial e um híbrido de homem e robô numa luta encarniçada (e sutil) por poder — e não é obra do acaso que o longa de Scott também se passe em Los Angeles. Mas o que “O Confronto” tem de especificadamente seu vai aparecendo no tempo justo.

“Não existe um só de nós, existem muitos”, é a síntese do roteiro de Wong e Glen Morgan, exposta logo na introdução. No tempo presente vive esta figura que nos arrosta todos os dias diante do espelho, seja lá o que ela de fato signifique. Nos vários universos que circundam-nos, uns funestamente próximos, outros tão distantes que precisaríamos de algumas vidas para alcançá-los, vivem nossas cópias — os tais replicantes da pena nonsense de PKD e do antológico trabalho de Scott —, que aqui o diretor e seu corroteirista estipulam, sem qualquer fundamentação lógica, em 123. Gabriel Yulaw, o mocinho acelerado de Jet Li, sai em disparada pela cidade sem que o espectador compreenda de imediato o que se está passando. Poucas cenas depois, fica-se sabendo que Yulaw se decidiu a exterminar a mais de centena de suas outras versões, a princípio por uma justificativa entre frívola e ególatra, da forma como assenta a um enredo dessa natureza; quando Ashlyn Gere entra em cena como a doutora Hamilton, num papel sem dúvida muito mais suave do que os que vinha encampando, resta claro que as cascas de noz foram feitas para abrigar somente um universo.

Na transição do segundo para o terceiro ato, o combate entre Yulaw e Lawless, o fora-da-lei que incorpora seu alter ego psicopático, remete à estética de “Matrix” (1999), das irmãs Lana Wachowski e Lilly Wachowski, mas com espaço para uma personagem tipicamente feminina, na qual o romantismo e a pertinácia vibram sob o mesmo diapasão. A T.K. de Carla Gugino, que também atende por Massie Walsh a depender da frequência captada, impõe uma cadência mais serena em certos lances de “O Confronto”, que oscila com equilíbrio do tudo para o nada.


Filme: O Confronto
Direção: James Wong
Ano: 2001
Gêneros: Thriller/Ficção científica/Ação
Nota: 8/10