Filme argentino na Netflix vai te ajudar a curar uma dor de amor Divulgação / Rizoma Films

Filme argentino na Netflix vai te ajudar a curar uma dor de amor

Apaixonar-se é, decerto, uma das melhores sensações da vida, mas logo que se sente no coração as primeiras aguilhoadas de um amor que desabrocha, ninguém conta com um possível rompimento, hoje ou dentro de cinquenta anos, que está na gênese de todo amor. Especialista em comédias românticas, Juan Taratuto explora boa parte das armadilhas de um sentimento muito perigoso em “Não É Você, Sou Eu”, que não recebeu esse título por acaso. A clássica frase que onze entre dez apaixonados escutam do objeto do seu desejo — depois que todo o calor já arrefecera irremediavelmente, é verdade, e não há mais nada a ser feito se não tocar um tango argentino, como recomenda Manuel Bandeira (1886-1968) num contexto pouco mais dramático —, sem dúvida é um dos jeitos mais atrozes de se botar ponto final num caso, precisamente por recorrer a uma sutileza que momentos assim dispensam. Mas, às vezes, como diz a voz rouca das ruas, escolada nos tormentos do desamor, há males que chegam para o bem.

Ainda na seara dos consensos, os filmes argentinos sempre se fizeram notar pela maneira plural, desabotoada, madura como aborda toda sorte de conflitos, e em “Não É Você, Sou Eu” o princípio se mantém. Possivelmente, a cena que melhor define essa capacidade de extrair frescor e algum júbilo de situações que oscilam entre o banal e o trágico seja a que abre os trabalhos, quando um médico cumpre os procedimentos para uma cirurgia, abre o tórax de seu paciente e inicia uma conversa entusiasmada com o colega que o acompanha na operação. Eles se encarniçam numa disputa a fim de descobrir quem saíra em maior vantagem, se aquele que pagou doze pesos e vinte centavos por uma garrafa de Cabernet Sauvignon safra 94, ou se Javier, o carismático personagem de Diego Peretti, que adquiriu um Merlot 96 por treze e cinquenta. Esse introito despretensioso serve para o espectador ir sorvendo aos poucos os detalhes insanos do cotidiano do protagonista, que não tarda a experimentar uma das surpresas mais amargas de sua vida. Enquanto isso, o roteiro, de Taratuto e Cecilia Dopazo, se estende sobre a tentativa de casamento de Javier e María, de Soledad Villamil, que lhe dá todos os indícios de que pode pular fora do barco a qualquer hora, e, ainda assim, ele não capta nada de estranho no comportamento da mulher — que, justiça se lhe faça, apenas responde à desordem que é a relação dos dois.

Um terceiro elemento, tão óbvio como inusitado, passa a compor a equação — e só muito depois um quarto, e um quinto, que vinga, afinal —, e Javier é forçado a abdicar do sonho do casamento que julgava perfeito, embora não se sinta confortável em tomar sua solidão nos braços, sem a ajuda de ninguém. No começo do segundo ato, se desenrola a adorável subtrama cuja conclusão Taratuto reserva para o desfecho, romântico a toda prova. Lances engraçadinhos, como sua ida a uma loja de animais à cata de um mascote que caiba no terraço que consegue alugar depois de perder o emprego no hospital em que trabalhava por desavenças com o chefe — ele queria operar alguém sem anestesia, ao que o superior, claro, se opôs —, dão uma cadência ainda mais tocante ao enredo, ao passo que esclarecem certas particularidades de Javier. É possível alguém comprar um dogue alemão pensando se tratar de uma raça pequena, e pior, levar meses achando que o cachorro é macho, com úberes proeminentes? Para sua sorte, Julia, a multitalentosa funcionária da loja que lhe vendeu Pupi, entra em sua vida, e Cecilia Dopazo contribui muito para que “Não É Você, Sou Eu” seja ainda mais encantador. Nós merecemos; Javier, não.


Filme: Não É Você, Sou Eu
Direção: Juan Taratuto
Ano: 2004
Gêneros: Comédia/Comédia romântica
Nota: 8/10