Baseado em Stephen King, filme psicologicamente emocionante, na Netflix, te deixará ofegante até o segundo final Divulgação / TFM Distribution

Baseado em Stephen King, filme psicologicamente emocionante, na Netflix, te deixará ofegante até o segundo final

Num primeiro momento, é difícil entender o que levaria um homem jovem e em pleno gozo de suas faculdades mentais a querer ganhar a vida investigando casos misteriosos passados em quartos de hotéis de uma costa a outra dos Estados Unidos. Acontece que Mike Enslin, o infausto protagonista de “1408” já não é mais tão jovem assim, não tem uma saúde psíquica exatamente invejável e, a fim de legitimar esse seu ganha-pão nada trivial, junta um e outro predicado ao trauma que passou a definir o jeito torto como enxerga o mundo e seu perigoso talento para chafurdar sem medo na vulgaridade — sempre à espera de alguma possibilidade, ou de que se salve ou de que perca de vez.

Enslin sai de Fairfield, Connecticut, na Nova Inglaterra, aturdido, esforçando-se por fugir de uma tempestade que varre a Costa Atlântica americana, com destino a uma outra cidadezinha, registrando suas impressões sobre as habitações mais assustadoras onde alguém poderia passar a noite — e, acredite, existe um público vasto que se interessa por isso. Esse outro lugar nem de longe serve de preparação para o que o escritor irá viver cenas adiante, e esse é o respiro de que se John Cusack se vale a fim de manter o espectador consigo. Carismático na medida certa, Cusack tira bom proveito de seu physique de rôle, entre o ingênuo e o maldito, e marca mais uma cruz na coronha com um personagem sem dúvida atormentado, com todos os motivos, mas que também pode ser leve quando necessário. A sequência em que ouve dos proprietários do estabelecimento que uma tal Sylvia, empregada deles, enforcara-se no quarto em que iria se hospedar, nos anos 1860 — talvez uma referência, cheia de propositais incorreções, à poetisa Sylvia Plath (1933-1963), que se matara inalando gás de cozinha cem anos mais tarde —, tem muito do humor macabro de Stephen King, de onde “1408” vem. A adaptação de Larry Karaszewski, Matt Greenberg e Scott Alexander de “Everything Is Eventual: 14 Dark Tales”, volume com catorze contos sucintos publicado pelo escritor em 2002, prima pela alta fidelidade ao original, e cada detalhe da composição de Cusack soma-se à direção madura do sueco Mikael Håfström, um aficionado por excentricidades, de modo a fazer de Enslin, esquisitão confesso e proselitista das manifestações do além-mundo, o paradigma do herói que sofre.

Quando chega, enfim, a Nova York e consegue o quarto que dá título ao filme, no hotel Dolphin, esquina da 45th com a Lex — antes, Enslin tivera de responder às perguntas de uma plateia bastante seleta em outra noite de autógrafos de “Os Dez Hotéis mais Assombrados (sic)” —, o personagem central finalmente faz a pior viagem que poderia, com a qual sonhava há tanto tempo. Não demoram a se suceder os fenômenos com que decerto tomou uma sinistra intimidade ao longo de alguns anos de carreira, como figuras ectoplásmicas que se atiram pela janela, ou choros de bebês que nunca cessam. A edição cautelosa de Peter Boyle e os efeitos especiais que mostram sangue vertendo das paredes do quarto confirmam as suspeitas do hóspede-pesquisador, o 1408 do Dolphin é mesmo dos piores lugares para se ter como refúgio em Nova York, e a resistência do próprio gerente, Gerald Olin, de Samuel L. Jackson, tinha razão de ser. Jackson, a propósito, em aparições bissextas, dá vida a um personagem que representa bem mais do que deixa transparecer, conferindo solidez dramática ao texto de Karaszewski, Greenberg e Alexander.

Håfström entra mais a fundo nos contornos psicológicos de seu protagonista já no terceiro ato, quando a revelação que tem o poder de tornar menos absurda a fixação de Enslin com a morte, momento em que a boa performance de Mary McCormack na pele de Lily, a esposa que abandonara, ganha relevo. Ela é a única pessoa neste mundo capaz de ensinar-lhe uma lição tão simples quanto valiosa: os mortos não voltam.


Filme: 1408
Direção: Mikael Håfström
Ano: 2007
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.