A humanidade não está piorando, só está mais conectada com o mal

A humanidade não está piorando, só está mais conectada com o mal

Não sou um indivíduo dos mais otimistas. Na verdade, tanto pé atrás, tantas reservas em relação ao papel do ser humano na Terra incomodam muito mais a mim do que a terceiros. Para começo de conversa, não me perco em lamúrias e nostalgia, ao sustentar a tese de que a humanidade está piorando a cada dia. Ao contrário, tenho certeza de que já melhoramos — e muito — com exceção, talvez, dos cuidados com a sustentabilidade do meio ambiente. Por mais que se fale no assunto, ainda continuamos a tocar o terror em termos de destruição da natureza, da emissão de gases tóxicos e da poluição ambiental com toda a gama de venenos, de produtos químicos, de plástico e de outras substâncias deletérias ao planeta.

Não. No meu tempo, a vida não era melhor. Era pior em vários sentidos. E, mais ainda, no tempo dos meus pais e dos meus avós. Enfim, apesar da impressão em contrário, o ser humano melhora em praticamente todos os quesitos. Basta rever a história, os absurdos que já foram cometidos, por exemplo, em nome de Deus, da pátria e da família. A vida é feita de ciclos. Volta e meia, retornamos aos mesmos paradigmas, dando-lhes uma roupagem mais palatável. Só que não.

Apesar do esforço dos crápulas, creio que não estamos mais cruéis do que em outras épocas. As notícias de tragédias e de desgraças que nos chegam pelos mais variados veículos de comunicação, principalmente pela internet, produzem na gente a sensação de que pior do que está nunca esteve. Esteve, sim. Nunca fomos santos. Em matéria de iniquidade, estamos mais comedidos, sustentando dentro das jaulas mentais uma gama horrenda de monstros que teima em escapulir.

Pode parecer doidice, mas, de médico e monstro, todo mundo tem um pouco. Que o diga o famoso escritor britânico Robert Louis Stevenson. Tenho convicção de esse aparente incremento da violência no Brasil e no mundo se deva ao viés da alta conectividade à qual estamos sujeitos. E mais: tanta bruteza, tanta crueldade, tanto discurso de ódio nada têm a ver com falta de Deus no curaçau, ou melhor, com a falta de Deus no coração. O planeta se encontra num estado permanente de ebriedade, conectado vinte e quatro horas por dia, a ponto de perdermos precioso tempo bisbilhotando a vida alheia e dando crédito ilegítimo para uma legião de influenciadores digitais com déficit de cognição e, não raro, má fé.       

Uma imagem fala mais do que mil palavras. É o que diz o velho deitado. Acordei cansado. Tive uma noite péssima, mal dormida. Tenho certeza de que a insônia me pegou porque fiquei manuseando o smartphone até tarde da noite. As luzes me excitam. Scarlett Johansson também. Como é linda aquela mulher. Como é ruim o meu inglês. Como ando fluente em cunilíngua. Enquanto bebo meio litro de café, caminho cabisbaixo por um jardim suspenso, a pensar que só penso por que existo. Grandes coisas. Descarto a filosofia de Descartes como uma forma de fugir da realidade. Contudo, é preciso dar um tempo nas preocupações, nos noticiários da TV e nos debates infrutíferos com os extremistas das redes sociais. Um bocado de alienação estratégica não me fará mal. Meu cérebro não suporta tantas informações ruins ao mesmo tempo. Aqui nessa cachola, quem manda são os neurônios. Por mais que, às vezes, eles se comportem como se fossem espermatogônias.

Muita gente pensa mais com os testículos do que o cérebro. Mamãe já me dizia. E o escritor Stevenson também. E o tenebroso Velho Testamento que, graças a Deus, nunca li. Desculpa, Senhor. Sei que não tens nada a ver comigo, nem com aquela literatura arcaica baseada na intolerância e na violência. Foi apenas força de expressão, uma figura de linguagem de uma mente desfigurada pelo excesso de realidade e pela alta velocidade da informação.

Os brutos também rezam. Não estamos mais bárbaros do que noutras épocas, um tempo em que desposávamos as próprias filhas, antes mesmo da primeira menstruação; e mutilávamos a genitália das meninas por infame tradição secular; e queimávamos pessoas vivas em fogueiras; e chicoteávamos o lombo de escravos acorrentados num tronco; e escalpelávamos os inimigos como forma de vil ostentação de poder; e estuprávamos as prisioneiras de guerra; e dizimávamos cidades inteiras despejando sobre elas bombas atômicas.

Estou atônito, porém, consciente. A “capivara” da humanidade é extensa em crimes. De alguma forma razoável, precisaremos regular as redes sociais e estancar uma barbárie digital contemporânea que nos faz parecer pior do que de fato somos. Creio que a capacidade do ser humano de amar é exponencialmente maior do que os seus lampejos de ódio. Viramos essa chave binária desde que deixamos as cavernas. E não tem escuridão nem machadinha que vão dizimar o bem pela raiz no interior da gente.

Tudo isso não passa de teoria, eu sei. Uma tentativa hercúlea de enxergar os males perpetrados pelo ser humano de uma forma menos desencantada e mais promissora. Algo bastante incomum para escritores que, assim como eu, pensam como se não existissem.