Últimos dias paras assistir na Netflix a um dos filmes mais encantadores da história do cinema e dos livros Divulgação / Focus Features

Últimos dias paras assistir na Netflix a um dos filmes mais encantadores da história do cinema e dos livros

Que Jane Austen é uma das maiores romancistas de todos os tempos, criando um estilo único, delicado e, ao mesmo tempo satírico, a escritora britânica conseguiu costurar em suas histórias críticas à sociedade aristocrática em que vivia, ao machismo e às futilezas das relações sociais da nobreza. Mas, apesar de alfinetar o status quo, Austen claramente se beneficiava dele. Inclusive, a influência de sua própria família possibilitou que suas obras se tornassem conhecidas, além de, claro, seu talento para as ideias à frente de seu tempo.

Em “Emma.”, de Autumn de Wilde, o estilo de Austen consegue muito bem ser traduzido para a tela, em uma narrativa elegante e perspicaz e uma estética estilosa e refinadamente barroca. Ainda passa um ar de uma sociedade pura e sempre limpa, talvez uma ironia de Wilde, já que “Emma” e qualquer outra obra da escritora tenha o objetivo de mostrar a sujeira varrida para debaixo do tapete dessa gente.

No título de Wilde, “Emma.” é escrito assim, com um ponto final. Minha imaginação leva a crer que seja o fato de a história ter sido a última que Austen publicou em vida. Talvez o ponto final tenha sido para a autora, que encerrou ali sua carreira. Mas nem tanto. Postumamente, ainda vieram “Northanger Abbey” e “Persuasão”.

Anya Taylor-Joy dá as caras como a protagonista que dá o nome à história, Emma Woodhouse, uma jovem que, como é descrita pelo próprio filme, é rica, bonita e inteligente e viveu até os 21 anos sem nada para aborrecê-la. Apesar de não ser uma vilã, Emma é uma menina privilegiada que sempre teve tudo que quis e usa de sua influência social para manipular o circulo de pessoas ao seu redor. É como se as pessoas fossem peças de xadrez em seu gigante tabuleiro. Emma, que apesar do rosto gélido e intocável, tem cachos dourados angelicais e olhos gigantes como de uma criança e consegue, com sua doce voz, se passar por uma figura verdadeiramente carismática e bondosa.

Mas não é bem assim. Sem adversárias que pudessem ameaçar seu reinado de persuasão e admiração, Emma se sente extremamente fragilizada com a chegada de Jane Fairfax, uma jovem linda, de olhos cansados, um silêncio misterioso e multitalentosa. Com a confiança abalada, Emma não consegue mais racionar seus jogos com a mesma destreza. Ela afasta sua ingênua amiga, Harriet, do verdadeiro amor e a empurra para os braços de quem não tem intenção de pedi-la em casamento. Deixa escapar seu lado cruel em um piquenique no campo e derrama lágrimas ao ser desmascarada por seu vizinho e admirador secreto senhor Knightley.

Aos poucos, as rachaduras da fachada perfeita de Emma vão aparecendo e a face congelada começa a derreter, mostrando que, por dentro, ela é apenas mais uma garota vulnerável em busca de aprovação e com medo de ser rejeitada pela sociedade que ela própria diminui e satiriza.

Em alguns momentos, “Emma.”, de Wilde, pode ficar um pouco maçante e é preciso resistir. O resultado é bom. A estética simétrica e milimetricamente pensada do filme é uma de suas melhores marcas. Em uma cena em que as jovens de um internato caminham na neve com seus capuzes vermelhos, Wilde tenta nos lembrar de “The Handmaid’s Tale” e do papel procriador e reprimido da mulher na sociedade.

Um romance com pitadas adocicadas de comédia, “Emma.” é um excelente filme para abstrair e relaxar.


Filme: Emma
Direção: Autumn de Wilde
Ano: 2020
Gênero: Romance/Comédia
Nota: 9/10