Faça um favor a si mesmo, assista ao novo e adorável romance da Netflix e deixe sua alma flutuar Divulgação / Netflix

Faça um favor a si mesmo, assista ao novo e adorável romance da Netflix e deixe sua alma flutuar

Não é propriamente original um filme tratar dos grandes obstáculos à felicidade dispondo de personagens em lugares paradisíacos onde se tem a impressão de que o drama mais melancólico, os desajustes mais intoleráveis, tantas e tantas horas de sono perdidas, os problemas graves e comezinhos da vida como ela é somem feito por encanto, parecendo até que há mesmo em algum lugar uma terra mágica que todos precisamos visitar de tempos em tempos, perto, depois da próxima curva da estrada, ou em uma ilha bem distante, sugestão no título deste filme inspirador, poético, assumidamente farsesco e quase redundante. A diretora Vanessa Jopp investe num delicioso clichê a fim de ressaltar essa humaníssima necessidade de se reencontrar em uma ilha bem distante, de descobrir seu espaço no mundo e entrar em simbiose com a natureza, encará-la como a aliada que é, que sempre foi, mas que não se cala diante das agressões gratuitas da nossa dita evoluída espécie. Viver pode ser uma experiência gratificante, para muito além de tolas ilusões, quando nos sentimos a fazer de algo muito maior que nós mesmos.

Jopp abre a intimidade de Zeynep, uma turca de origem alemã, sobrecarregada, frustrada, presa num casamento que não deveria ter acabado há algum tempo, encarcerada na própria vida. A protagonista vivida por Naomi Krauss tem de lidar com a morte da mãe, Katarina, mas também com a dependência do pai idoso e algo misógino e com a distância crescente da filha, mas o que parece atingi-la mesmo é o desinteresse cada vez maior de Ilyas, o marido, interpretado por Adnan Maral. Cíclico, o texto de Jane Ainscough desbasta boa parte das camadas mais ásperas de Zeynep, que anseia por uma chance de libertação, malgrado nem ela o saiba. O argumento central, a casa que recebe de herança na ilha croata a que o nome do filme alude, é tomado como a oportunidade de oferecer à personagem de Krauss a redenção, ainda que tardia, de que ela tanto carece, sem o marido, a filha, o pai, só consigo mesma. Claro que as paisagens da Croácia, realçadas por uma fotografia precisa, são um dos estímulos mais decisivos para a virada de mesa de Zeynep, e exatamente como sói acontecer quando se tem expectativas muito claras numa quadra da vida mais nebulosa, surpresas à primeira vista indesejadas convertem-se na metamorfose com que ela sonhava sem saber.

Ainda no primeiro ato, Jopp aprofunda-se nos dramas pessoais de sua heroína, sem muita sutileza. Zeynep conhece Josip Cega, o aldeão a que Goran Bogdan dá vida da maneira mais inusitada possível, e o filme segue nessa toada, equilibrando humor e as cenas em que Krauss e Bogdan escancaram os conflitos de seus personagens, alternando-se no centro da narrativa, mas tambem brilhando juntos. Subtramas como as que trabalham a relação da personagem central com a filha, seu pseudocaso com Conrad, o corretor imobiliário 25 anos mais novo, de Artjom Gilz, e a decisão final sobre a possível nova vida com Josip dão um senso de realidade a um enredo quase fabuloso, como o litoral da Croácia.


Filme: Em Uma Bem Ilha Distante
Direção: Vanessa Jopp
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.