Obra de arte do cinema espanhol é um dos filmes mais bonitos e hipnotizantes que você irá assistir na Netflix Divulgação / Caramel Films

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Apesar da atmosfera carregada com a tensão de um thriller, “O Vazio de Domingo” é um drama espanhol que gira em torno de uma relação estilhaçada entre mãe e filha. Com a brilhante atuação de Bárbara Lennie no papel de Chiara, uma mulher de quarenta e poucos anos que encontra e confronta a mãe, Anabel (Susi Sánchez), mais de trinta anos depois de ter sido abandonada, acompanhamos o reencontro e a reconstrução dessa conexão familiar.

Após deixar a família, Anabel se casou novamente e se tornou esposa de um empresário rico e bem-sucedido, com quem teve outra filha, Greta (Greta Fernández). Mesmo assim, seu olhar parece aborrecido e frustrado à mesa de sua mansão, em que recebe algumas dezenas de convidados em um jantar de luxo. E é neste evento caseiro que surge Chiara entre os garçons e garçonetes que servem os visitantes. Ao final da festa, ela se aproxima de Anabel, que a reconhece, apesar das décadas que as separaram.

Chiara pede à mãe que passe dez dias com ela em sua casa, em uma região rural na França. Com medo de que haja interesses escusos por trás do pedido, Anabel faz com que a filha assine um contrato em que rejeita recompensas financeiras e abdica de laços familiares. O documento demonstra o completo desligamento emocional de Anabel de seu passado e sua frieza ao encarar a filha abandonada.

Após aceitar a proposta, Anabel se transfere para a casa de Chiara, rodeada de floresta e distante da cidade. Enquanto faz caminhada pela trilha ao redor do bosque, transparece medo ao duvidar dos motivos que a levaram até ali. Afinal, Chiara quer se reaproximar ou deseja se vingar da mãe? Há a todo mundo uma névoa de mistério que não se dissipa nem mesmo quando os segredos são revelados.

Apesar da relação estranha e desencaixada, em que Anabel e Chiara não conseguem sustentar um diálogo minimamente amigável por dez minutos, há uma ternura e um ressentimento que tenta se esconder por trás do semblante congelado de Chiara. A atuação de Lennie é tão genuína e pura que conseguimos perceber as intenções por trás de cada movimento e expressão. Mas Sánchez também não fica para trás, entregando uma mulher de estrutura rígida e contida e uma fachada orgulhosa, mas com a alma carregada de uma insaciável insatisfação com a vida, uma inquietude vibrante e muitos arrependimentos.

As verdades são difíceis de serem ditas neste filme. Elas ficam presas nas gargantas de suas personagens e podemos sentir exatamente o que elas sentem, porque há uma energia que entrega as emoções, mas não há melodramas aqui. O diretor Ramón Salazar foi genial em conseguir equilibrar os níveis de melancolia, suspense e doçura para exorcizar os demônios do passado que aterrorizam Anabel e Chiara. “O Vazio de Domingo” parece um retrato poético da vida em cada uma de suas facetas, seja no tédio, na monotonia, na reviravolta, na fúria, no amor e no perdão.

Embora seja um filme de andamento lento, o suspense e as atuações viscerais de ambas as atrizes não deixam com que o nível de interesse do espectador caia. Pelo contrário, nos faz mergulhar em um rio de águas sombrias e catárticas em que qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada. E o que acontece, impressiona.

Mas o que fica deste filme é a dor de saber do poder do vínculo da maternidade ou paternidade nos filhos. Não há tempo ou tragédia que o desfaça. Os pais sempre exercerão influência, inclusive em sua ausência, em quem os filhos se tornam. E um abandono é sempre um gesto destruidor na alma das crianças. Enquanto os diálogos entre mãe e filha parecem uma luta de braços, nos sentimos sufocados pela dor que se esconde em cada troca de olhares.

“O Vazio de Domingo” é uma obra de arte intensa, intransigente e incômoda. Ela vai escavar o profundo das amarguras humanas e expô-las como vísceras em uma prateleira.


Filme: O Vazio de Domingo
Direção: Ramón Salazar
Ano: 2017
Gênero: Drama/Mistério
Nota: 10/10