Um dos melhores livros escritos no século 20

Um dos melhores livros escritos no século 20

Há alguns dias terminei a leitura de um dos livros mais interessantes e perturbadores que já li. Sátántangó do húngaro László Krasznahorkai.

A ação se concentra na chegada de um homem que pode ou não ser um profeta, o diabo, ou apenas um vigarista, em uma aldeia húngara apodrecida e encharcada pela chuva.  Esta aldeia ou assentamento parece algum tipo de projeto coletivo falido, onde toda a esperança foi perdida e todos os prédios estão carcomidos.

A partir desse enredo simples Krasznahorkai constrói sua narrativa alegórica e carregada de imagens religiosas. Mais adiante percebemos que a construção das alegorias tem como objetivo apenas a sua própria destruição: o mundo concreto é brutal, implacável e profundamente sombrio.

Sobre o título: em um dos momentos mais lúdicos do livro, a comunidade se reúne para esperar o messias enquanto se embebedam e dançam ao som de um acordeão que repete um tango… o tango satânico. O moto-contínuo da música e a dança (o tango é uma dança de vai-e-vem) incorporam a mistura de comédia sombria com um senso de ansiedade paralisante: a dança é comemorativa e fúnebre, esperançosa e desesperada. 

Satantango
Sátántangó, de László Krasznahorkai (Companhia das Letras, 232 páginas)

A dança marca também o ponto em que Krasznahorkai começa a numerar seus capítulos de trás para frente: começamos em um e avançamos para seis, no qual o ponto seis é repetido e a jornada retorna para o capítulo um: como uma fita de Möbius — seis sendo o número do selvagem, da besta, do julgamento e também a humanidade.

Como uma espiral inversa, na segunda metade da narrativa, vemos os indivíduos que correram atrás de uma vida coletiva, uma ‘comunidade’, voltarem ao seu estado anterior de isolamento e alienação. Assim — como os ambientes sempre repletos de teias de aranha — os personagens estão presos na teia de quem orquestra o que acontece, seja o messias redentor, o demônio, ou, na espetacular virada final da espiral narrativa de Krasznahorkai, uma figura mais ausente que sugere como pode ser doloroso e atormentado o processo de contar histórias.