O amor é uma utopia sem a qual o mundo não seria capaz de seguir em frente, sufocado em seus escombros de orgulho sem lógica, empenho desmedido por causas obscuras, desprezo por tudo quanto não se relacione diretamente a nós mesmos e o resultado inescapável e feroz de tudo isso, a solidão, mal que atravessa os séculos e parece ter cada vez mais vontade e força de continuar essa sua jornada rumo ao domínio completo da vida do homem. Evidentemente, há antídotos para veneno tão arrasador, mas, como tudo na vida, há que se pagar um preço que muita gente considera absurdo, tão perdidas estão em seus tão particulares devaneios. Acreditar no amor não é exatamente simples: talvez seja o que existe de mais misterioso no enigma sem solução que é viver. Escritores, poetas, intelectuais, atores e músicos se dedicaram a tentar dar uma explicação plausível para a necessidade de se crer verdadeiramente no amor. O Romantismo, movimento artístico e também voltado à estética ela mesma ganhou força nos estertores do século 18. Com seu culto à natureza, o bucolismo, o êxodo das zonas rurais para os núcleos urbanos num mundo que se transformava à velocidade das máquinas a vapor da Revolução Industrial, os românticos foram se impondo para muito mais além da literatura e das artes em geral, chegando a este nosso insano século 21 com algum fôlego. O amor resiste.
Mark Steven Johnson também faz o que está a seu alcance quanto a imaginar o sentimento amoroso para um pouco mais longe que o delírio. Seu “Amor em Verona” (2022) aposta boa parte das fichas em sequências confessadamente pensadas a fim de pegar o espectador pelos olhos — e quem ousa reclamar? —, nos diálogos que já supomos quando se trata de exaltar a mais humana das emoções e na parceria afinada de seus protagonistas, bons por si sós, melhores juntos. Johnson martela em seu roteiro aqueles pontos que todos conhecemos dos contos de fadas dos tempos de criança, com ligeiras adaptações. Aqui, a donzela não é assim tão ingênua e vulnerável, trabalha e preza pela independência, mas persevera em seu modelo de beatitude, sem dúvida algo que a torna particularmente sedutora.
Julie Hutton, a professorinha de Minneapolis vivida por Kat Graham, passou a vida sonhando com “Romeu e Julieta” enquanto planejava um dia visitar Verona, a cidade em que Shakespeare se inspirou — e na qual jamais estivera — para compor sua peça mais famosa. Quando enfim consegue se organizar e juntar o dinheiro necessário para o que supõe um idílio tornado real (ainda que tenha de recorrer a um aplicativo de hospedagem alternativa, gancho fundamental da trama), sem esquecer de cuidar para que alguém tome conta da píton de estimação, seus planos, como sói acontecer, saem dos carris. Nada relacionado à tutela provisória da serpente, de que Rob, o melhor amigo gay interpretado por Sean Amsing, se encarrega, meio a contragosto; para seu choque, o problema é Brandon, o namorado de quatro anos que, surpreendentemente, acha que o caso dos dois andou rápido demais e pede um tempo.
Julie embarca sozinha e resta subentendido que o personagem de Raymond Ablack não volta à história, mas este é um filme de reviravoltas constantes, ainda que sutis. Em chegando à Itália, sem nenhum pejo de comportar como uma turista meio jeca, assumidamente deslumbrada com o que vê, para o bem e para o mal — o táxi improvisado de Uberto, de Lorenzo Lazzarini, trocadilho infame com aquele outro aplicativo, representa o mal —, a protagonista chega ao apartamento que alugara, defronte ao balcão em que, supostamente, Julieta teria se debruçado numa das cenas mais emblemáticas do texto do Bardo. Tudo se encaminhava para o início de uma jornada de sete dias de fruição algo neurótica, com todos os passeios devidamente elencados; todavia, a programação da mocinha faz água mais uma vez. Uma confusão de Silvio, o proprietário do imóvel, encarnado com a graça veronesa de Emilio Solfrizzi, destina a Julie o mesmo espaço que Charlie Fletcher, o enólogo britânico de Tom Hopper, que a recepciona bem à vontade.
Seguem-se as passagens algo corriqueiras em produções do gênero, com os desentendimentos de praxe entre um homem e uma mulher de universos paralelos, subitamente obrigados a partilhar o mesmo ambiente. Johnson vai pontuando a narrativas de situações cômicas — o momento em que os dois dão início à guerra de comida depois de um mal-entendido de Julie quanto a certo prato típico da culinária de Verona é batido, mas engraçado —, abusando de enquadramentos inovadores para não desperdiçar nada da ótima performance de seu elenco. O desfecho em que, como já se disse, Brandon se reencontra com quem o amara até chegar à villa mais romântica do mundo tem lances de gênio, mormente com a chegada de outra intrusa: Cassie, a noiva de Charlie, interpretada por Laura Hopper, mulher do galã na vida real.
Filme: Amor em Verona
Direção: Mark Steven Johnson
Ano: 2022
Gêneros: Comédia romântica
Nota: 8/10