O ponto de partida de “O Bom Vizinho” é direto e incômodo: dois homens comuns atropelam uma ciclista numa estrada deserta e decidem fugir. Não há elaboração sofisticada para esse gesto inaugural, apenas a constatação fria de uma escolha errada que passa a organizar tudo o que vem depois. David, interpretado por Luke Kleintank, é o motorista e também um jornalista em início de carreira. O acaso cruel o empurra para uma situação ainda mais perversa quando ele recebe a incumbência profissional de investigar o atropelamento que ele próprio causou. A partir daí, o filme constrói sua tensão não em reviravoltas engenhosas, mas na corrosão lenta da consciência. O interesse está menos no crime em si e mais na incapacidade de seus protagonistas de lidar com o peso do que fizeram.
David como vetor de culpa
David é desenhado como um sujeito passivo, pouco afeito ao confronto, e Kleintank sustenta essa fragilidade com coerência. Sua apatia não soa acidental: ela funciona como traço estruturante do personagem. É justamente essa ausência de firmeza que permite que ele seja conduzido pelos acontecimentos, pelas circunstâncias e, sobretudo, por Robert. O envolvimento amoroso com Vanessa, vivida por Eloise Smyth, irmã da vítima, reforça esse traço. David não se aproxima dela por cálculo consciente, mas por uma mistura de autopunição e desejo de normalidade. O romance, ainda que central para o enredo, nunca se aprofunda de fato, servindo mais como dispositivo narrativo do que como relação viva. O suspense repousa quase exclusivamente na expectativa do momento em que a verdade virá à tona.
Robert e a lógica do controle
Jonathan Rhys Meyers domina o filme ao interpretar Robert, o vizinho aparentemente solícito que estava no carro na noite do atropelamento. Seu personagem opera pela lógica do controle e da antecipação. Robert pensa sempre alguns passos à frente, entende as fraquezas de David e sabe explorá-las com eficiência. Há indícios claros de uma atração mal resolvida, que se mistura a ressentimento e desejo de posse, mas o roteiro opta por não desenvolver essa camada de forma consequente. Ainda assim, Meyers constrói uma presença inquietante, sustentada por gestos contidos e uma fala calculada. Quando Robert está em cena, o filme encontra seu eixo dramático mais sólido, deixando evidente o desequilíbrio entre os dois homens.
Estrutura, ambientação e limites
Narrativamente, “O Bom Vizinho” avança com ritmo regular, mas tropeça em coincidências excessivas e decisões pouco convincentes, especialmente no último ato. O desfecho de Robert parece apressado e contradiz a inteligência estratégica que o personagem havia demonstrado até então. A ambientação na Letônia é outro elemento problemático. Apesar de visualmente neutra, ela não interfere na dinâmica da história nem acrescenta camadas culturais ou simbólicas relevantes. A investigação jornalística, que poderia aprofundar o dilema ético de David, permanece superficial. O resultado final é um thriller funcional, sustentado quase integralmente pela atuação de Jonathan Rhys Meyers, que eleva um material irregular a um patamar mais digno. Sem ele, o filme dificilmente ultrapassaria a mediania.
★★★★★★★★★★






