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Sincero e profundamente comovente: o filme mais bonito de 2025, com Kate Winslet, estreou hoje na Netflix Kimberley French / Netflix

Sincero e profundamente comovente: o filme mais bonito de 2025, com Kate Winslet, estreou hoje na Netflix

Na última cena de “Adeus, June”, entende-se, afinal, o propósito do filme. Uma mulher vai despedindo-se da vida com toda a calma, enquanto o mundo ao seu redor desmorona. June é quem está no comando, e parece aguardar o momento mais adequado, se é que pode existir algum, para colocar as cartas na mesa e arrumar uma bagunça de meio século. Numa estreia auspiciosa — e mesmerizante —, a agora diretora Kate Winslet pega a audiência no contrapé, desarmando-a golpe após golpe. Surpreendentemente habilidosa para uma debutante, Winslet escrutina velhos rancores de uma família disfuncional, mas talvez sua verdadeira mágica seja outra. A partir do roteiro de Joe Anders, seu filho com o cineasta Sam Mendes, ela volta a um episódio doloroso de sua intimidade, enfraquecendo a antológica máxima de Tolstoi.

June sucumbe a um câncer avançado que comprometia-lhe os pulmões e agora espalhou-se pelo organismo, com tamanha violência que pode não chegar até o Natal. Seus parentes imediatos, o marido, Bernard, e os quatro filhos, se mobilizam para prestar-lhe assistência, e aos poucos o espectador nota os desequilíbrios dessas relações, todos de alguma maneira a resvalar em Julia, a filha do meio interpretada por Winslet. Sobrecarregada, ressentida, mas estoica, Julia é, ainda que não o saiba, o alicerce da família, e o longa mira essa ideia a fim de seguir pelos próximos 114 minutos, de um jeito admiravelmente fluido, orgânico, como se o elenco nunca tivesse ensaiado e as falas viessem da premência vital de pôr para fora o que está apodrecendo. Por cerca de duas horas, eles são um só sangue.

Julia e Winslet galvanizam a potência de uma história aparentemente banal, que come pelas beiradas até um segundo ato devastador, de revelações para os personagens e epifanias para nós. Infatigável, a protagonista passa de um conflito a outro, costurando acordos e sendo ela mesma a figura central de um acerto de contas com Molly, a irmã recalcada vivida por Andrea Riseborough, e só essa cena já vale o filme — bem como, por óbvio, a personagem-título de Helen Mirren, tão persuasiva na pele da matriarca agonizante que dá nos nervos.

Kate Winslet nos convence de que famílias infelizes também têm lá suas semelhanças entre si, e esperam a morte para as reconciliações. “Adeus, June” já chega como um dos melhores filmes de Natal do cinema recente.

Filme: Adeus, June
Diretor: Kate Winslet
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.