Em Jacarta, Ito tenta voltar para casa com a esperança de que o passado aceite distância. Em “A Noite nos Persegue”, Timo Tjahjanto coloca Joe Taslim, Iko Uwais e Julie Estelle numa trama em que um executor de alto nível rompe a própria tríade ao poupar uma criança durante um massacre e, a partir daí, precisa mantê-la viva enquanto foge de uma caça que vem de dentro.
A decisão de Ito nasce de um freio raro. Ele não muda de profissão nem reescreve a biografia; apenas escolhe não matar. A motivação é simples, quase física: um impulso de misericórdia que chega tarde. O obstáculo é imediato. A tríade vive de obediência e exemplo, e um desvio vira ameaça de contágio. O efeito é colocar na mira um homem treinado para cumprir ordens, sem tempo para negociar nada.
O filme arma essa fuga como um procedimento improvisado. Ito procura abrigo em contatos antigos, tenta arrumar uma saída para ele e para a menina, cogita desaparecer antes que o cerco se feche. Cada passo pede confiança, e confiança é artigo em falta. Amigos querem saber onde ele esteve, o que fez, o que trouxe. O risco cresce porque proteger alguém exige exposição: telefonemas, deslocamentos, pedidos de favor, tudo vira rastro.
Arian, tríade e a caça vira pessoal
Em paralelo, a tríade decide quem vai apagar o problema. Arian, vivido por Iko Uwais, é convocado para caçar o amigo de juventude que virou traidor. A motivação é dupla: lealdade a quem paga e a chance de subir mais um degrau. O obstáculo é justamente a história compartilhada. Caçar um desconhecido é trabalho; caçar alguém que conhece suas manias vira ajuste de contas. O efeito é dar à perseguição um rosto, uma direção, não apenas volume.
A escolha seguinte é elevar o nível do ataque. Entre os nomes mobilizados surge uma assassina interpretada por Julie Estelle, que entra no tabuleiro como solução prática: alguém sem afeto, sem hesitação, paga para encerrar o assunto. A motivação dela é profissional, e isso muda o jogo. O obstáculo, para Ito, passa a ser previsibilidade. Não basta correr; é preciso adivinhar a tática de quem não tem compromisso com regra alguma além do resultado. A consequência é um ritmo de fuga que não permite descanso, porque a ameaça se move com disciplina e rancor.
Tjahjanto encosta a câmera na carne
Tjahjanto encosta a câmera na carne e trata cada embate como decisão forçada. Quando a perseguição alcança Ito, a pergunta deixa de ser se haverá luta; passa a ser o que essa luta impede ou permite: atravessar uma porta, manter um aliado de pé, comprar minutos para trocar de endereço. O sangue não aparece como enfeite. Ele marca o custo de cada escolha. Assim, o excesso vira dado, e a violência não fica apenas no espetáculo.
Há momentos em que o enredo parece reduzir tudo a logística. Um lugar seguro deixa de ser seguro. Um aliado vira peso. Uma ajuda vem com condição. Ito segue. Reina segue. Ninguém discute muito. Ninguém pode. A cada ataque, a janela de saída diminui.
Reina como espelho e peso da proteção
Nesse desenho, a menina deixa de ser apenas motivo para ação. Reina existe como espelho incômodo do que Ito foi e do que ele tenta negar. Ele a carrega, a esconde, a escuta quando dá, e isso o obriga a decidir com alguém mais frágil ao lado. O obstáculo é que ele só conhece uma linguagem, a da força. O efeito é um paradoxo duro: proteger também significa ferir antes que outros firam.
A rivalidade com Arian, anunciada desde o princípio, funciona como relógio invisível. Quanto mais a caça avança, mais as opções de Ito se estreitam, ou melhor, mais ele percebe que cada solução provisória aumenta a dívida com quem o ajuda. A motivação dele muda: começa como culpa, vira sobrevivência, depois vira responsabilidade. O obstáculo permanece o mesmo, o passado que não aceita ser ignorado. A consequência é um caminho sem retorno fácil.
Confronto inevitável e a conta final
À medida que a perseguição afunila, o filme recusa o alívio de uma conversa explicativa e empurra os personagens para o choque direto. Arian entra para encerrar o caso com as próprias mãos, e a assassina contratada avança com a frieza de quem só cumpre serviço. Ito reage com o repertório que tem — movimentação, cálculo, reflexo — e com um aprendizado recente, simples e caro: às vezes recuar é a única forma de manter Reina viva. O risco já não é apenas morrer; é perder a única decisão que o tirou da máquina.
Parte do fascínio de “A Noite nos Persegue” vem do modo como ele empilha urgência sobre urgência e transforma deserção em motor dramático. O prazer do filme está na coreografia e na intensidade, mas a história insiste numa pergunta seca: um ato de misericórdia compensa uma carreira inteira de mortes? Tjahjanto não oferece resposta confortável. Ele mantém a contagem, empurra os corpos, fecha portas e deixa Ito escolher, de novo, sob pressão.
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