Os Alpes franceses seriam o lugar ideal para que um amor mostrasse a plenitude de sua beleza. Todavia, na imensidão das montanhas ao longe, as pequenas fragilidades da alma humana ficam ainda mais vulgares, mais torpes, e é impossível não perceber fissuras naquilo que parecia indestrutível e eterno. Cresce a suspeita de que alguns casais, malgrado se amem de verdade, não podem seguir juntos, como se o universo, sábio, evitasse a possibilidade de um cataclismo num futuro próximo, salvando dois corações num golpe mortal, mas necessário. Sensações como essas permeiam “A Fonte”, um melodrama formulaico, mas introspectivo e até profundo, sobre gestos e, o principal, silêncios. Em seu longa de estreia, o britânico Ben Hecking compõe uma detalhada meditação existencial ancorada em pequenos comentários a respeito de memória e esquecimento, erro e perdão, investigando personagens ambíguos, à beira de um colapso repentino.
John Finch, um pianista de 42 anos, decidiu trocar a capital inglesa por Entrecasteaux, uma das mais belas aldeias do Var, e não se arrepende. Depois de uma noite de folguedos amorosos com Sophia, ele acorda depois das dez, arruma-se sem pressa, e vai a pé ao centro dessa charmosa cidadezinha da Provença, na fronteira da França com a Itália, tomar um café com croissant no restaurante local enquanto lê o “London Times”. Todas as manhãs, ele saúda os velhos que jogam conversa fora, senta-se à mesma mesa, é atendido pela mesma garçonete, Marie, e sua vida está completa. Hecking socorre-se de enquadramentos precisos para sugerir os próximos lances, e num dia em que não consegue ocupar sua cadeira cativa no bistrô, Peter, inglês como ele, levanta-se e puxa conversa, os dois marcam um jantar para aquela noite. Sua paz está prestes a sofrer um abalo doloroso.
O diretor-roteirista concentra-se na amizade entre os dois homens para depois começar a fornecer ao espectador pistas acerca de um elo misterioso entre os dois. E aí que entra Sophia, e o enredo desdobra-se numa espiral de revelações sobre eles, cada um com seus motivos para ocultar o passado. Um close de “Pequenos Pássaros” (1979), a coletânea de contos de Anaïs Nin (1903-1977), reforça a importância de Sophia, interpretada com eloquente frescor por Charlotte Vega, ao passo que os personagens de Christian McKay e Harry Mcqueen protagonizam ferozes embates retóricos, como convém a dois filhos da velha Albion. “A Fonte” é uma junção de classe e virulência para deslindar temas arcaicos, mas sempre muito tentadores.
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