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O candidato a Melhor Filme que pode recolocar Leonardo DiCaprio no Oscar já está na HBO Max Divulgação / Warner Bros.

O candidato a Melhor Filme que pode recolocar Leonardo DiCaprio no Oscar já está na HBO Max

Numa cidade californiana apresentada como refúgio, Bob Ferguson tenta encolher a vida até caber num ritual de sobrevivência: comida simples, portas trancadas, pouca conversa. Em “Uma Batalha Após a Outra”, Paul Thomas Anderson dá a Leonardo DiCaprio, Teyana Taylor e Sean Penn um conflito que começa doméstico e vira caçada: quando o velho inimigo de Bob reaparece depois de anos e sua filha some, ele precisa decidir se reativa a militância ou se aceita a perda como punição atrasada.

A primeira escolha tem gosto de vergonha. Bob, que vive fora do radar, finge não reconhecer os sinais, como se negar ainda comprasse tempo. Ele quer proteger Willa, mas bate no que desaprendeu: nomes, códigos, rotas. A memória falha, o corpo demora, e o medo de encarar gente abandonada vira argumento contra si mesmo. Ao discar de um telefone público, ele reabre uma porta que rangia há tempo demais.

O resgate se monta aos pedaços

O resgate se monta aos pedaços, com retornos que não pedem licença. Ex-companheiros reaparecem com função, mágoa e cautela. Uns querem agir, outros exigem confirmar informações, e ninguém confia no próprio impulso. Bob aceita ser conduzido porque precisa de ordem, mas encontra a burocracia emocional do grupo: perguntas sobre a mãe de Willa, sobre deserções, sobre a última fuga coletiva. O plano nasce com fissuras, e fissura, ali, é atraso.

Do outro lado, a ameaça tem currículo e carrega o passado como mancha. Steven J. Lockjaw ocupa salas, dá ordens e busca lugar num clube de fanáticos. Ele age por sobrevivência social, mais do que por devoção, e por isso insiste em apagar uma história que compromete sua ascensão. Willa vira o que ele não consegue controlar: prova viva do que não cabe na fotografia oficial. Ao pôr homens em movimento, Lockjaw transforma o sumiço numa caçada com orçamento público.

Anderson encadeia o enredo como tarefas falhas: localizar, confirmar, transportar, esconder, negociar. Cada etapa parece simples até bater no mundo real, com câmeras e fronteiras internas. A comédia aparece quando Bob, que um dia foi peça útil, erra o próprio ritual, ou melhor, erra porque o ritual exigia fé e a fé virou fumaça. Quando ele não lembra a senha que destravaria ajuda imediata, a falta de uma palavra vira peso físico, e a busca muda de rota.

Perseguição e improviso na linha de frente

Há um carro e um mapa, e uma arma que ninguém quer assumir. Um adolescente perde a paciência; um pai promete e falha. Um telefonema cai, o seguinte nem completa. Bob decide seguir mesmo assim. A perseguição encosta e força o grupo a improvisar, e improviso custa caro.

Quando a violência aparece, ela altera o que se sabe. Uma invasão interrompe conversa, um disparo troca o comando, um barulho denuncia presença. A montagem encurta o tempo entre decisão e consequência, obrigando Bob a agir antes de entender o quadro completo, e a trilha de Jonny Greenwood sustenta essa pressa como pulso. De repente, não basta reencontrar Willa; é preciso atravessar um território que reage ao menor erro.

Willa e a disputa por memória

No meio do corre, Willa também escolhe, e isso desloca o centro de gravidade. Ela recusa o papel de carga e tenta ler o mundo com as ferramentas que recebeu, algumas úteis, outras perigosas. Ao ouvir versões sobre a mãe e sobre o passado do pai, Willa decide em quem acreditar para seguir. Os adultos contam a história como defesa: uns limpam o passado, outros o vendem como lenda. O resultado é atrito entre pai e filha, proteção e acusação no mesmo gesto.

O risco maior chega quando a operação exige encontro direto em lugar vigiado, e ninguém tem certeza de quem controla as entradas. Bob quer avançar porque imagina cada minuto reduzindo a chance de ver a filha, mas hesita porque sua coragem costuma nascer tarde. Os aliados pressionam, Lockjaw encurta distância, Willa percebe que a disputa não é só por ela, e sim pelo que ela representa. Uma escolha tomada sob barulho e luz dura expõe a rede e aperta o cerco.

DiCaprio, Penn e a ética do atrito

DiCaprio faz de Bob alguém que fala demais para esconder o pânico, e a falação vira humor seco ou desculpa mal formulada. Penn transforma Lockjaw num homem que usa polidez como arma, com crueldade que dispensa grito. Taylor dá a Perfidia uma energia que segue comandando o enredo mesmo à distância, e isso explica a obsessão que ela provoca. Cada um corre por um motivo; ninguém escapa do mesmo passado.

Sem depender de nostalgia, o filme conversa com a linhagem paranoica de Anderson e com sua afinidade por Thomas Pynchon, aqui como motor de humor e medo. Ele prefere o atrito: gente que já prometeu mundos melhores agora negocia migalhas, escondendo pânico atrás de piada curta e de disciplina antiga. Num ano em que o debate público tratou radicalismo como espetáculo, a história insiste em algo menos grandioso: a contabilidade de culpa dentro de uma família. O que fica é um gesto pequeno, um papel amassado na mão, como se a próxima batalha já estivesse assinada.

Filme: Uma Batalha Após a Outra
Diretor: Paul Thomas Anderson
Ano: 2025
Gênero: Ação/Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★