“Senhor dos Anéis: As Duas Torres” abandona qualquer promessa de conforto narrativo e assume, desde o início, uma função ingrata: mostrar que a aventura já não é excitante, mas necessária. Frodo Bolseiro, vivido por Elijah Wood, não caminha mais por curiosidade ou coragem juvenil. Ele avança por esgotamento moral. O Anel deixa de ser um objeto de poder abstrato e passa a operar como uma doença progressiva, visível no corpo, na fala e no olhar. Samwise Gamgee, interpretado por Sean Astin, surge como contraponto ético, não por ingenuidade, mas por insistência. Ele entende que não pode salvar o mundo, apenas impedir que Frodo se perca completamente antes do fim.
A introdução de Gollum, por Andy Serkis, desloca o eixo emocional do filme. Guiando os hobbits rumo a Mordor, ele não atua como vilão clássico, mas como advertência viva. A fragmentação entre Sméagol e Gollum expõe, sem qualquer delicadeza, o destino provável de quem confunde sobrevivência com propósito. A relação entre os três transforma a jornada numa experiência de desgaste psicológico, em que cada passo cobra um preço irreversível.
Rohan, poder paralisado e a política do ressentimento
Enquanto isso, Rohan apodrece silenciosamente. Théoden, interpretado por Bernard Hill, não reina: ele sobrevive anestesiado pela manipulação de Gríma Língua-de-Cobra, papel inquietante de Brad Dourif. Gríma não age com força, mas com repetição. Sua presença transforma o palácio num espaço de apatia, onde o poder existe apenas como lembrança. Quando Gandalf, vivido por Ian McKellen, rompe esse ciclo, não há sensação de vitória, apenas constrangimento coletivo diante do tempo perdido.
É nesse contexto que Aragorn, de Viggo Mortensen, se consolida como líder relutante. Ele não exibe grandiosidade, mas cansaço. Sua autoridade nasce da consciência de que não há escolha limpa. A aproximação com Legolas, de Orlando Bloom, e Gimli, de John Rhys-Davies, reforça a ideia de alianças construídas não por afinidade, mas por urgência histórica. A guerra deixa de ser evento e passa a ser estado permanente.
O cerco como experiência de exaustão
O confronto no Abismo de Helm recusa qualquer leitura triunfalista. A batalha se estende até se tornar fisicamente incômoda, refletindo o esgotamento dos homens encurralados. Não há ritmo heroico, apenas resistência contínua. Aragorn e Théoden lutam menos para vencer e mais para não desaparecer. A chegada de Gandalf com reforços não soa como milagre, mas como adiamento do colapso.
Cada decisão tomada ali carrega a consciência de perdas inevitáveis. Peter Jackson constrói o conflito como uma sucessão de escolhas ruins feitas para evitar escolhas piores. O resultado é um sentimento constante de precariedade, em que a sobrevivência não traz alívio, apenas continuidade.
Natureza, vingança e o custo da reação tardia
A marcha dos Ents contra Isengard oferece um tipo distinto de catarse. Treebeard não age por heroísmo, mas por saturação. A destruição da fortaleza de Saruman, interpretado por Christopher Lee, não celebra justiça; expõe atraso. A natureza reage porque foi ignorada por tempo demais. O prazer da vingança é atravessado por uma melancolia incômoda: tudo isso poderia ter sido evitado.
“Senhor dos Anéis: As Duas Torres” é o capítulo mais desconfortável da trilogia justamente por se negar a encantar. Ele funciona como ponte emocional, onde ninguém retorna intacto e nenhuma vitória é plena. Ao invés de prometer redenção, o filme insiste na travessia. E seguir adiante, ali, já é um ato radical.
★★★★★★★★★★






