Discover
Cameron Diaz e Christina Applegate: a comédia de estrada da Netflix que muita gente deixou passar Divulgação / Columbia Pictures

Cameron Diaz e Christina Applegate: a comédia de estrada da Netflix que muita gente deixou passar

Em um bar de São Francisco, Christina Walters sustenta uma regra de autoproteção: não idealizar encontro algum. Em “Tudo Para Ficar Com Ele”, Roger Kumble acompanha a quebra dessa regra ao juntar Cameron Diaz, Christina Applegate e Selma Blair num enredo em que uma noite inesperadamente boa com Peter Donahue termina em sumiço, e a protagonista precisa decidir se corre atrás do homem ou se mantém a indiferença que lhe dá abrigo.

A decisão de partir vem menos de romantismo e mais de incômodo. Christina quer uma explicação para um vazio que abriu depressa, e Courtney, a amiga alérgica a pausas, empurra o plano com a certeza de quem transforma constrangimento em combustível. Jane topa porque enxerga o outro risco: deixar Christina sozinha com uma história que ela mesma já não sabe contar direito. O obstáculo é simples e cruel: quase não há pista, só um primeiro nome e a sensação de que o tempo encolhe.

A estrada e o preço social da busca

Daí a busca vira estrada, com saídas de rodovia e placas verdes prometendo cidades como se oferecessem consolo. O objetivo é direto: alcançar Peter antes do casamento do irmão, evento que funciona como prego no mapa. A viagem cobra uma taxa social a cada parada, porque as três entram em lugares onde a liberdade feminina é elogiada na conversa e patrulhada no olhar. O riso nasce desse atrito: elas avançam por desejo e trombam no inventário de gente pronta para medir, classificar, comentar.

No caminho, Christina precisa repintar a própria imagem enquanto toma decisões que a contradizem. Ela liga, desliga, reescreve frases antes de soltar uma palavra. A motivação é segurar o controle; o obstáculo é que, ali, controle escorre pelos dedos a cada quilômetro. Quando força coragem, paga com humilhação. Quando tenta recuar, paga com ressentimento, e esse ressentimento encontra endereço fácil nas amigas.

Ali, a direção acelera o relato com cortes que encurtam distâncias entre paradas, quartos alugados e estacionamentos, e essa pressa altera a informação disponível para as personagens. Elas chegam a cada novo lugar com menos dados do que gostariam e com mais urgência do que aconselharia qualquer amiga responsável. O rádio insiste em hits do começo dos anos 2000 como sinalização emocional, lembrando que aquela comédia foi feita para disputar espaço num período em que o humor sexual feminino ainda precisava mostrar que podia ser engraçado sem pedir licença.

Christina, Courtney e Jane no limite da lealdade

O melhor do filme está na conversa das três. Christina fala demais. Courtney exagera. Jane observa. Elas decidem. Erram. Repetem. A amizade funciona como pacto prático: uma protege a outra quando o mundo exige performance, e cobra quando a performance ameaça virar autoengano. O obstáculo constante é o limite entre cumplicidade e pressão, e a consequência é que a viagem vira teste de lealdade, não só caça ao homem que sumiu.

Num motel, um pôster gasto de cerveja barata pende torto no corredor, e alguém ri alto do outro lado de uma porta. Christina finge que não ouve, respira fundo e escolhe seguir, mesmo sabendo que já virou assunto para desconhecidos. O problema não é apenas encontrar Peter; é aguentar o rastro de comentários que se cola ao corpo a cada nova parada, como poeira de estrada que não sai com água pouca.

A certa altura, o trajeto aperta. Poucas pistas. Pouca paciência. Muito barulho. Christina acelera, Courtney incentiva, Jane tenta impor limite. A rota muda, a confiança falha. A cada desvio, Peter vira menos pessoa e mais hipótese, e o efeito imediato é um azedume que já não cabe na piada e começa a contaminar as decisões seguintes.

A cerimônia como farol e a escolha mais cara

Quando a cerimônia enfim se aproxima e serve de farol, Christina encara a escolha mais cara: avançar significa se expor em público, aceitar que sua busca foi vista e julgada; recuar significa consolidar a versão controlada de si mesma que ela cultivou para não sofrer, ou melhor, para sofrer apenas no escuro. A motivação desloca do desejo para a dignidade. O obstáculo é que dignidade, naquele ambiente, vem empacotada em regras masculinas. O efeito é um corpo em alerta, como se cada palavra pudesse custar um pouco de pele.

Kumble acerta quando observa as negociações miúdas com atendentes, estranhos e amigos de ocasião, e erra quando confia em caricaturas como atalho. Diaz faz de Christina alguém que fala rápido para não chorar; essa pressa vira humor quando encontra portas fechadas e respostas secas. Applegate dá a Courtney uma torcida interessada, Blair responde com economia, e o trio mantém o filme em movimento quando ele ameaça se acomodar. No streaming, fica a imagem das placas passando pela janela, uma após a outra, prometendo direção sem garantir chegada.

Filme: Tudo Para Ficar Com Ele
Diretor: Roger Kumble
Ano: 2002
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★