“A Hora dos Valentes” parte de um paradoxo difícil de ignorar: é um filme que existe porque o original foi forte o bastante para atravessar o tempo, mas que se limita justamente por não encontrar razões sólidas para se afastar dele. A refilmagem mexicana de Tempo de Valentes nasce ancorada em um gesto de fidelidade que, embora tecnicamente correto, restringe sua ambição dramática. A trama permanece clara e funcional.
Mariano Silverstein, agora interpretado por Luis Gerardo Méndez, é um psicanalista neurótico condenado a cumprir uma probation após atropelar uma mulher. Como parte da pena, ele passa a acompanhar Alfredo Díaz, policial emocionalmente instável vivido por Memo Villegas, em rondas que rapidamente deixam de ser rotineiras e se enredam em conspirações envolvendo tráfico de armas e setores do aparato estatal. Paralelamente, ambos descobrem a infidelidade de suas esposas, entre elas Diana, vivida por Veronica Bravo, criando um elo afetivo que sustenta a narrativa.
Essa engrenagem ainda funciona. O deslocamento do protagonista civil para o território da violência institucional continua eficaz como motor narrativo. No entanto, o filme opta por reproduzir quase integralmente os pontos de virada do roteiro original, trocando apenas o contexto urbano e o registro cultural. A consequência é uma sensação de previsibilidade estrutural. Cada avanço da história confirma expectativas já estabelecidas, e a tensão nunca ultrapassa o limite do confortável.
A adaptação como limite
Ao escolher preservar nomes de personagens, duração semelhante e sequências centrais quase intactas, Ariel Winograd assume uma posição clara: não tensionar o material de origem. Méndez constrói um Mariano Silverstein carismático, com controle preciso de ritmo e dicção, enquanto Villegas entrega um Alfredo Díaz marcado pela exaustão e pela melancolia. A dupla funciona, mas raramente surpreende. A dinâmica entre eles reforça o eixo da amizade masculina ferida, sustentada mais por paralelismos narrativos do que por conflito real.
A decisão de reduzir o peso da psicanálise, elemento decisivo no filme de 2005, desloca o foco para cenas de ação e para um humor mais direto. Isso torna o relato mais ágil, porém menos denso. O dilema de Silverstein, dividido entre a observação clínica e a necessidade de agir, perde complexidade ao ser rapidamente absorvido pelo ritmo policial. A transformação do personagem ocorre, mas sem fricção suficiente para promover um impacto duradouro.
Entre circulação e permanência
“A Hora dos Valentes” tende a dialogar melhor com um público que desconhece o filme original. Para esse espectador, a história se sustenta como um thriller eficiente, bem interpretado e conduzido com clareza. Para quem reconhece a matriz argentina, o interesse desloca-se para o fenômeno industrial: um título que já começa a adquirir estatuto de clássico recente sendo absorvido pela lógica serializada do streaming internacional.
Depois que o filme acaba, fica a constatação de que certos filmes sobrevivem ao tempo justamente por serem replicáveis. O risco desse processo é transformar singularidade em molde. Winograd entrega um filme correto, seguro e profissional. Mas, ao evitar qualquer ruptura, confirma que alguns gestos de reverência custam mais caro do que parecem: preservam a memória, mas esvaziam a possibilidade de descoberta.
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