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Apocalypse Now: o filme caótico que fez Martin Sheen infartar e Francis Ford Coppola vender a própria casa Divulgação / American Zoetrope

Apocalypse Now: o filme caótico que fez Martin Sheen infartar e Francis Ford Coppola vender a própria casa

Francis Ford Coppola é, ou já foi, um grande revolucionário do cinema. Sua cinematografia guarda algumas das maiores joias da Sétima Arte. Apesar da qualidade latente de seus filmes, muitos já sabem que por trás de alguns deles há uma boa dose de caos. Foi assim em “O Poderoso Chefão“. Em “Apocalypse Now“ foi ainda pior. A verdade é que a arte só parece acontecer com Coppola quando a realidade desmorona ao redor. Literalmente.

As filmagens começaram em 1976, nas Filipinas, com a promessa de uma produção ambiciosa sobre a Guerra do Vietnã. Mas Coppola jamais imaginou que seu set se transformaria, tal qual o enredo de seu filme, no próprio inferno. Logo no início, um tufão destruiu cenários inteiros, incluindo a famosa aldeia do ataque de helicópteros. O desastre não foi simbólico: a equipe teve de reconstruir tudo do zero, enquanto o orçamento inflava dia após dia.

A cena inicial em que Martin Sheen aparece alcoolizado, suado e em uma espécie de delírio, destruindo tudo, não é mera encenação. Aquilo ali foi realmente um surto do ator gravado e que foi utilizado para o filme. Sheen era fumante e alcoólatra e, durante as filmagens de “Apocalypse Now“, seu corpo chegou ao limite. Sua mente também estava à beira da loucura devido às jornadas extenuantes de trabalho e às péssimas condições naquele lugar quente, inóspito e insalubre. Não deu outra, Sheen infartou com apenas 36 anos de idade durante as filmagens.

O ataque cardíaco que sofreu não foi fingimento, mas um evento clínico real, documentado, que quase encerrou sua carreira, e o filme. Durante semanas, Sheen ficou hospitalizado, enquanto Coppola escondia a gravidade do ocorrido dos financiadores para não espantá-los. Algumas cenas precisaram ser reescritas; outras, filmadas com dublês improvisados, enquadramentos à distância e o corpo emprestado do irmão do ator. A narrativa do capitão Willard seguia avançando, mesmo quando seu intérprete mal conseguia ficar em pé.

Para piorar, Marlon Brando chegou ao set muito acima do peso, sem ter lido o roteiro e declarando não compreender o personagem. A solução foi transformar o problema em estética: sombras densas e diálogos fragmentados, improvisados na hora. Um coronel Kurtz que parece menos um homem do que um delírio verbal. A gambiarra virou linguagem. A ausência de sentido foi transformada em estilo.

Com o dinheiro esgotado, Coppola vendeu a própria casa para esticar a verba e terminar o filme. Anos depois, ele confessaria que pensou em suicídio durante a produção. Não como figura de linguagem, mas como desabafo real, registrado no documentário “Hearts of Darkness“. Ele entendia, talvez tarde demais, que o filme estava repetindo a lógica da guerra que denunciava: insistir, avançar, continuar, mesmo quando o custo humano já ultrapassou qualquer justificativa racional.

Mas, se você parar para pensar, tudo isso é profundamente poético e perturbador. “Apocalypse Now” não apenas retrata a loucura; ele se tornou uma dimensão dela. Cada plano carrega não só a ficção da guerra, mas o cansaço real, o medo real, a obstinação real de pessoas que decidiram atravessar o inferno para capturá-lo em celuloide.

O filme foi finalizado e tornou-se um clássico. Mas talvez seu maior legado não esteja nas frases icônicas ou nas cenas memoráveis, e sim nessa verdade incômoda: às vezes, o cinema não representa o abismo. Ele se enterra nele e volta com imagens suficientes para provar que esteve lá.

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.