Num prólogo de confiança rarefeita, durante uma incursão numa casa de espetáculos em Kiev, “Tenet” apresenta um protagonista sem nome, vivido por John David Washington, que cruza o caminho de Robert Pattinson e Elizabeth Debicki sob a direção de Christopher Nolan. Depois de um teste de lealdade que dá errado e deixa marcas, ele aceita entrar numa célula clandestina cujo objetivo é impedir um ataque capaz de anular o futuro. O conflito central nasce dessa obrigação de escolher com pouca luz, antes que um inimigo transforme o tempo em vantagem tática.
Logo no início, a missão se aprende fazendo, não ouvindo: localizar objetos que se comportam ao contrário, perseguir intermediários, alcançar quem compra violência como se fosse prestação de serviço. O protagonista decide seguir a regra mais repetida do grupo, a de não tentar entender demais, porque precisa permanecer útil e vivo. O obstáculo é que cada pista muda o sentido da anterior, e a confiança, ali, é sempre provisória. O efeito é uma corrida em que prudência vira luxo e a logística passa a mandar, com etapas trocadas no meio do caminho.
Neil e a confiança como risco calculado
Em seguida, Neil surge como parceiro e como enigma. Ele abre rotas, encontra acessos, improvisa coberturas; o protagonista decide aceitá-lo porque não há alternativa prática, ou melhor, porque qualquer alternativa o deixaria sozinho diante de um quebra-cabeça montado por potências invisíveis. Neil não diz, mas sabe demais, e essa assimetria empurra o protagonista para decisões no tato, por pequenas provas de campo, pagando com a perda de controle sobre quem conduz a próxima virada.
Há vidro. Aço. Luvas. Uma arma que dispara e recolhe. Uma porta que gira, uma sala que faz o mundo andar ao contrário. O protagonista escolhe entrar, depois recuar, depois repetir um gesto só para ver se a realidade confirma. Cada escolha esbarra num limite imediato: seguranças, trancas, câmeras, uma rua bloqueada, o tempo curto. E a cada limite o espaço para pensar encolhe, empurrando o corpo para a frente.
Sator, Kat e a autoestrada como armadilha
Depois, a caçada ganha rosto quando aparece Andrei Sator, oligarca que converte chantagem em comércio, e quando Kat, sua esposa, se revela a vulnerabilidade mais visível do sistema doméstico que ele controla. O protagonista decide protegê-la não por altruísmo abstrato, mas porque entende que ela é a ponte mais direta para chegar ao homem que precisa deter. O obstáculo é duplo: Sator reage com brutalidade e, ao mesmo tempo, a própria equipe teme que a compaixão vire distração. O efeito é que a missão passa a carregar um refém moral e também uma janela de acesso.
Na autoestrada, o protagonista decide tomar um artefato em trânsito porque entende que, sem ele, Sator passa a ditar o próximo movimento. O plano pede coordenação milimétrica entre carros, caminhões e uma equipe que tenta se ouvir no mesmo rádio enquanto a pista vira campo de tiro. O obstáculo piora quando o ataque passa a ter duas direções de movimento ao mesmo tempo, embaralhando quem persegue e quem foge. A consequência é direta: uma escolha errada não só perde o objeto, como abre espaço para Sator transformar uma pessoa em moeda de troca, ali, no asfalto.
Nolan, fiel à ideia de que informação também pode ser suspense, trata o som como filtro narrativo. Em diálogos decisivos, motores, hélices e música avançam sobre as palavras, e o protagonista é empurrado a agir pelo que vê, não pelo que entende. Isso pesa na história: instruções chegam truncadas, decisões são tomadas no escuro, como num golpe em que o rádio falha. No saguão do cinema, alguém comenta que perdeu uma frase; outro responde que perdeu duas. A cena seguinte já mudou de país e de regra, e a confusão entra no pacto.
Ainda assim, o centro humano não desaparece. Kat decide, em momentos-chave, que sua sobrevivência não pode depender do humor do marido, e essa decisão cria atalhos e armadilhas para o protagonista, que precisa manter a missão de pé sem esmagar a pessoa que usa como ponte. Ele responde com escolhas que misturam cálculo e impulso, aceita mentiras pontuais para impedir uma violência maior, e paga quando essas mentiras retornam pela mesma porta giratória. A história encerra o trecho principal com o som seco de um fecho e a imagem de uma porta se fechando, lembrando que cada entrada cobra uma saída ainda não mostrada.
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