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Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais, o filme de Christopher Nolan que faturou 2 bilhões de reais está na Netflix Divulgação / Warner Bros.

Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais, o filme de Christopher Nolan que faturou 2 bilhões de reais está na Netflix

Num prólogo de confiança rarefeita, durante uma incursão numa casa de espetáculos em Kiev, “Tenet” apresenta um protagonista sem nome, vivido por John David Washington, que cruza o caminho de Robert Pattinson e Elizabeth Debicki sob a direção de Christopher Nolan. Depois de um teste de lealdade que dá errado e deixa marcas, ele aceita entrar numa célula clandestina cujo objetivo é impedir um ataque capaz de anular o futuro. O conflito central nasce dessa obrigação de escolher com pouca luz, antes que um inimigo transforme o tempo em vantagem tática.

Logo no início, a missão se aprende fazendo, não ouvindo: localizar objetos que se comportam ao contrário, perseguir intermediários, alcançar quem compra violência como se fosse prestação de serviço. O protagonista decide seguir a regra mais repetida do grupo, a de não tentar entender demais, porque precisa permanecer útil e vivo. O obstáculo é que cada pista muda o sentido da anterior, e a confiança, ali, é sempre provisória. O efeito é uma corrida em que prudência vira luxo e a logística passa a mandar, com etapas trocadas no meio do caminho.

Neil e a confiança como risco calculado

Em seguida, Neil surge como parceiro e como enigma. Ele abre rotas, encontra acessos, improvisa coberturas; o protagonista decide aceitá-lo porque não há alternativa prática, ou melhor, porque qualquer alternativa o deixaria sozinho diante de um quebra-cabeça montado por potências invisíveis. Neil não diz, mas sabe demais, e essa assimetria empurra o protagonista para decisões no tato, por pequenas provas de campo, pagando com a perda de controle sobre quem conduz a próxima virada.

Há vidro. Aço. Luvas. Uma arma que dispara e recolhe. Uma porta que gira, uma sala que faz o mundo andar ao contrário. O protagonista escolhe entrar, depois recuar, depois repetir um gesto só para ver se a realidade confirma. Cada escolha esbarra num limite imediato: seguranças, trancas, câmeras, uma rua bloqueada, o tempo curto. E a cada limite o espaço para pensar encolhe, empurrando o corpo para a frente.

Sator, Kat e a autoestrada como armadilha

Depois, a caçada ganha rosto quando aparece Andrei Sator, oligarca que converte chantagem em comércio, e quando Kat, sua esposa, se revela a vulnerabilidade mais visível do sistema doméstico que ele controla. O protagonista decide protegê-la não por altruísmo abstrato, mas porque entende que ela é a ponte mais direta para chegar ao homem que precisa deter. O obstáculo é duplo: Sator reage com brutalidade e, ao mesmo tempo, a própria equipe teme que a compaixão vire distração. O efeito é que a missão passa a carregar um refém moral e também uma janela de acesso.

Na autoestrada, o protagonista decide tomar um artefato em trânsito porque entende que, sem ele, Sator passa a ditar o próximo movimento. O plano pede coordenação milimétrica entre carros, caminhões e uma equipe que tenta se ouvir no mesmo rádio enquanto a pista vira campo de tiro. O obstáculo piora quando o ataque passa a ter duas direções de movimento ao mesmo tempo, embaralhando quem persegue e quem foge. A consequência é direta: uma escolha errada não só perde o objeto, como abre espaço para Sator transformar uma pessoa em moeda de troca, ali, no asfalto.

Nolan, fiel à ideia de que informação também pode ser suspense, trata o som como filtro narrativo. Em diálogos decisivos, motores, hélices e música avançam sobre as palavras, e o protagonista é empurrado a agir pelo que vê, não pelo que entende. Isso pesa na história: instruções chegam truncadas, decisões são tomadas no escuro, como num golpe em que o rádio falha. No saguão do cinema, alguém comenta que perdeu uma frase; outro responde que perdeu duas. A cena seguinte já mudou de país e de regra, e a confusão entra no pacto.

Ainda assim, o centro humano não desaparece. Kat decide, em momentos-chave, que sua sobrevivência não pode depender do humor do marido, e essa decisão cria atalhos e armadilhas para o protagonista, que precisa manter a missão de pé sem esmagar a pessoa que usa como ponte. Ele responde com escolhas que misturam cálculo e impulso, aceita mentiras pontuais para impedir uma violência maior, e paga quando essas mentiras retornam pela mesma porta giratória. A história encerra o trecho principal com o som seco de um fecho e a imagem de uma porta se fechando, lembrando que cada entrada cobra uma saída ainda não mostrada.

Filme: Tenet
Diretor: Christopher Nolan
Ano: 2020
Gênero: Ação/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★