Para quem não sabe, Hollywood sempre operou sob alguns códigos: alguns oficiais, outros tácitos. Eles determinaram e determinam, até hoje, com rigor quase burocrático, o que personagens podiam ou não fazer e desejar e quais podiam sobreviver. O código mais famoso de todos, o Código Hays, entrou em vigor oficialmente em 1934 e só se encerrou definitivamente em 1968. Mas reduzí-lo a uma curiosidade histórica seria muito simplista, porque ela faz parte dos contornos da história do cinema. Algumas regras, mesmo muito estranhas, nunca desapareceram completamente, mas trocaram de nome e de justificativa retórica.
Entre 1934 e o fim da década de 1950, uma das regras mais rigorosas era sobre o destino moral dos personagens: criminosos não podiam triunfar. Não era só sobre perder dinheiro e amigos, eles deveriam ser presos, mortos ou moralmente esmagados. Todo o cinema noir girou em torno dessa regra. Personagens interpretados por Humphrey Bogart ou Edward G. Robinson podiam ser fascinantes, mas o roteiro fazia questão de lembrar que o carisma não anulava a punição. O que o governo via por trás disso era a possibilidade de espectadores admirarem essas figuras.
Nessa mesma época, o sexo era uma ameaça narrativa. Beijos só podiam durar alguns segundos. Se o casal na frente das câmeras insistisse, o diretor intercalava diálogos, cigarros acesos ou deslocamentos pelo cenário. Casais casados deveriam dormir em camas separadas até 1960. A mensagem era: o casamento existia, mas o desejo precisava ser controlado. Curiosamente, cenas de violência não eram tão restritas.
O adultério foi autorizado, em 1934, desde que não fosse recompensado. Mulheres adúlteras deveriam pagar com doença, loucura ou morte. Homens, quando escapavam, deveriam carregar uma culpa esmagadora. Os roteiros eram corretivos sociais. Mostrar os erros não eram suficientes. Era preciso garantir que os pecados não eram tentadores.
Mas ainda há regras muito mais absurdas. Banheiros não existiam no cinema até 1960, até Alfred Hitchcock exibi-lo em seu “Psicose“. A cena em que uma descarga é dada na privada virou um escândalo à época. O corpo podia ser mutilado, mas necessidades fisiológicas básicas eram proibidas de serem exibidas. A limpeza simbólica era mais importante que a coerência.
Hoje em dia
O cinema europeu fez uma verdadeira revolução no Código Hays (que só operava nos Estados Unidos). Ele era muito mais democrático, o que pressionou Hollywood. Em 1968, ele foi substituído pela classificação etária da MPAA. Oficialmente, era o fim da censura moral. Na prática, era só o começo de outras regras. Até hoje, filmes que recebem classificação NC-17 enfrentam problemas de distribuição, campanhas de marketing limitadas e boicotes velados.
Mas fora dos Estados Unidos, outras regras também operavam. Desde os anos 2000, produções que querem se dar bem no mercado chinês evitam fantasmas, viagens no tempo que não sejam científicas e representações negativas do Estado. Não é lei em Hollywood, mas Hollywood obedece. Roteiros são ajustados para evitar qualquer espécie de conflito.
Outras normas simbólicas que insistem em permanecer incluem policiais corruptos não podem existir em filmes a menos que sejam expostos por uma figura honesta e que salve a instituição. Jornalistas sempre aparecem como consciência moral. Sistemas podem falhar, mas estruturas não. Tudo isso é herança do Código Hays, reformulada para a linguagem atual.
Outra regra que não surgiu de Hollywood, mas da própria Apple e Hollywood segue à risca, é a de que vilões não podem manejar objetos da Apple, sejam iPhone, MacBooks, iPads ou outros objetos da marca. O símbolo da maçã só pode ser associado a mocinhos e mocinhas. Audi, BMW e Mercedes também proíbem que seus carros sejam usados por vilões. Marcas de armas nunca podem associadas a massacres e nomes de bebidas, sejam refrigerantes ou alcoólicas, aparecem apenas em contextos positivos. Se estiverem associadas a vícios ou acidentes, nomes genéricos são usados.
Regras antigas ou atuais nunca mataram o cinema americano, o moldaram. Hollywood aprendeu a operar dentro de limites, a sugerir mais que mostrar, a esconder subversão sob convenções. O mais curioso não é que tantas normas sejam operadas até hoje, mas que muitas continuem invisíveis, normalizadas, aceitas, embora a indústria insista a se apresentar como baluarte da liberdade.




