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Vencedor de 7 Oscars que levou 200 milhões de pessoas aos cinemas está prestes a deixar a Netflix Divulgação / Universal Pictures

Vencedor de 7 Oscars que levou 200 milhões de pessoas aos cinemas está prestes a deixar a Netflix

“Oppenheimer” começa já contaminado por uma sensação de urgência que não pede permissão ao espectador. A narrativa se desloca entre momentos distintos da vida de J. Robert Oppenheimer com uma agilidade quase agressiva, exigindo atenção contínua e recusando qualquer leitura preguiçosa. Acompanhamos o jovem físico brilhante, ainda em formação, até o homem convocado pelo governo dos Estados Unidos para liderar o Projeto Manhattan. Não se trata de uma trajetória de ascensão convencional, mas de um percurso em espiral, no qual cada avanço intelectual cobra um preço humano. Cillian Murphy constrói um protagonista que nunca parece confortável com o próprio talento. Seu Oppenheimer carrega no corpo uma inquietação constante, como se o pensamento nunca desligasse, nem quando o silêncio seria desejável.

O Laboratório, o Poder e a Pressa

A chegada a Los Alamos, sob a supervisão pragmática do general Leslie Groves, vivido por Matt Damon, transforma o deserto em centro nervoso do mundo. A corrida contra a Alemanha nazista imprime ao filme um ritmo sufocante, reforçado pela multiplicação de diálogos técnicos e decisões tomadas no limite do tempo. Oppenheimer coordena cientistas, lida com egos inflados e tenta manter coesão em um ambiente onde o intelecto vale mais que qualquer hierarquia militar tradicional. A construção da bomba não aparece como um gesto heroico, mas como uma soma de concessões sucessivas. Cada cálculo bem-sucedido aproxima a equipe de um resultado irreversível, enquanto o personagem central se afasta lentamente de qualquer ilusão de controle moral sobre o que está ajudando a criar.

Culpa, Afetos e Julgamento Público

Fora do laboratório, a vida de Oppenheimer se fragmenta. O casamento com Kitty Oppenheimer, interpretada por Emily Blunt, é atravessado por ressentimentos, alcoolismo e frustrações políticas. Já a relação com Jean Tatlock, papel de Florence Pugh, expõe o desejo, a fragilidade emocional e o flerte com ideias que mais tarde se voltariam contra ele. Essas relações não funcionam como meros desvios românticos, mas como extensões do conflito central entre razão e impulso. Quando o filme avança para os interrogatórios que investigam suas ligações com o comunismo, a narrativa se fecha como um cerco. Robert Downey Jr., no papel de Lewis Strauss, encarna a face institucional do ressentimento, alguém que transforma diferenças intelectuais em vendeta pessoal. O tribunal não busca justiça, mas submissão.

O Silêncio Depois da Explosão

O impacto das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki não é tratado como triunfo estratégico. A consagração pública do “pai da bomba atômica” surge acompanhada de um vazio difícil de nomear. Oppenheimer compreende tarde demais que o reconhecimento histórico não oferece abrigo contra a própria consciência. O filme encerra seu percurso sem oferecer catarse fácil, insistindo na permanência do dano. A última cena não conforta, provoca. Ao recusar qualquer celebração, “Oppenheimer” permanece como um retrato incômodo de um homem que ajudou a mudar o mundo e jamais conseguiu habitar essa mudança em paz.

Filme: Oppenheimer
Diretor: Christopher Nolan
Ano: 2023
Gênero: Biografia/Drama/História
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★