Adi gosta do inverno por dois motivos muito práticos. O primeiro: há menos visitantes batendo no vidro, exigindo atenção, atrapalhando a modorra diuturna de quem vive em um recinto de zoológico.
A segunda razão é justamente a escuridão expandida. Não é depressão sazonal, mas Adi é um esmerado especialista em emendar uma soneca na outra como se todo dia fosse domingo e não houvesse, er, o impaciente Oto a lhe cutucar:
— Adi, Adi: veja! Que lindo! Mas por que o caminho, as árvores, por que está tudo cheio de luzinhas coloridas?
O suricato só encontrou forças para abrir um olho, tornando a fechá-lo em instantes.
— Não sei, Oto. Vai ver é que os humanos têm medo do escuro. Boa noite.
— Não parece medo. Parece é esperança.
O tratador chegou ao espaço dos suricatos. Mas ele veio vestido diferente: a roupa pesada, necessária quando as temperaturas atingem fácil os pontos negativos, é completamente vermelha; na cabeça, o gorro, também vermelho, tem uns penduricalhos engraçados. Oto começou a gargalhar ao notar que ele usava uma barba falsa.
— Ah, hoje é Natal! — comemorou o inquieto animal.
— Todo dia é hoje para quem vende coisa — respondeu Adi.
Oto se lembrou que em todo Natal o presente da bicharada é uma comida especial. No meio dos besouros e das larvas de tenébrio, entre os grilos, gafanhotos, mariposas e cupins de todos os dias, é possível que haja um escorpião, uma suculenta aranha das graúdas, algumas centopeias e, talvez, até mesmo uma cobrinha ou um passarinho.
— Já estou salivando, meu amigo Adi, já estou salivando…
— Que nada. Natal é comer. E comer é tudo a mesma coisa. Mas aí os humanos colocam uma roupa diferente, falam ho-ho-ho, fazem umas tais piadinhas do pavê, botam uva-passa em tudo e ficam achando que a mesma coisa está diferente.
Com uma minhoca escorrendo pelo canto da boca como se fosse um espaguete vivo escapulindo, Oto se virou para o amigo:
— Papai Noel é que nem Deus?
— Acho que tem mais barba — respondeu Adi.
— Que nem Karl Marx, então?
— Vermelho também, mas acho que está à serviço de outros.
— Ahn… E ele existe?
— Quem? Deus?
— Não, o Papai Noel. Ele existe de verdade?
— Existe quando alguém olha — disse Adi. — Igual quase tudo.
Oto sorriu diante da resposta. Seus olhinhos piscaram, brilhantes. Refletiam as luzinhas do entorno.
— Então a gente precisa ficar olhando basntate… — afirmou, para si mesmo. Que noite feliz, pensou ele, que noite feliz.
Adi preferia cultivar a mudez. Não via a hora de um novo cochilo, queria mesmo é que o horário de funcionamento do zoológico acabasse logo para que as musiquinhas natalinas enfim fossem desligadas do tal som ambiente e então reinasse o silêncio sepulcral que combina tão bem com o inverno europeu.
Em dezembro, fecha mais cedo: 16h30 saem os últimos poucos visitantes. Leva ainda alguns minutos até que os funcionários terminem a arrumação e a iluminação toda se apague.
Oto cerrou os olhos. Estava satisfeito, doido para sonhar com as ideias iluminadas pelos pisca-piscas que tanto o encantaram. Adi ainda bufava, analisando o entorno sem ver muita graça mas reconhecendo a beleza do opaco silêncio conquistado.
— Pelo menos — murmurou — nesta época do ano até a esperança sussurra baixinho.
Este era o seu maior presente de Natal, afinal.
Mas antes que ele pudesse pregar os olhos, Oto cutucou seu ombro:
— Adi, será que amanhã ele volta?
— Ahn?! — rebateu o suricato, bocejando.
— Ele, o Papai Noel. Será que ele vem amanhã de novo?
Com um suspiro fundo, Adi respondeu:
— Oto, amanhã ele vira liquidação.
Foram dormir. Quando entrava em sua toca, Oto ainda falou, bem alto:
— Então ele existe mesmo!
Adi não respondeu.


