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Michelle Pfeiffer protagoniza o filme mais assistido do Prime Video no mundo atualmente Divulgação / Amazon Prime Video

Michelle Pfeiffer protagoniza o filme mais assistido do Prime Video no mundo atualmente

Na semana do Natal, Claire Clauster mantém a casa de pé com uma energia que ninguém registra, até o momento em que a conta cai no colo de todos. Em “Um. Natal. Surreal”, Michelle Pfeiffer dá a essa matriarca um cansaço disciplinado, quase profissional; Felicity Jones aparece como Channing e Denis Leary como Nick, cercando uma família habituada a ser guiada sem perceber. Sob direção de Michael Showalter, o conflito é simples e constrangedor: depois de um erro coletivo, Claire fica sozinha, e os parentes saem às pressas para corrigir o dano e encontrá-la, antes que a festa desabe.

Para Claire, decidir é parte do expediente. Ela marca horários, confirma presença, insiste num passeio especial que deveria juntar todo mundo, porque acredita que tradição só funciona quando alguém empurra o carrinho. O impulso vem da necessidade de manter o grupo por perto, mesmo quando o afeto já se mistura à teimosia do calendário. O problema é a complacência doméstica, essa certeza preguiçosa de que sempre haverá alguém resolvendo o que falta. O resultado é um descompasso antigo: quanto mais ela coordena, menos ela aparece.

Quando o esquecimento acontece, ele carrega o peso de algo ensaiado. Cada parente escolhe priorizar uma urgência miúda, um atraso aceitável, uma distração que parece inofensiva, e a soma dessas escolhas vira abandono. O motor é banal e, por isso, cruel: todo mundo tem uma justificativa de cinco segundos. Do lado de fora, o Natal cobra presença, imagem e harmonia, e pune quem desmonta o teatro. Em cadeia, a ausência de Claire vira problema prático e, junto, expõe a hierarquia afetiva da casa.

Claire decide sumir e a família corre atrás

Sozinha, Claire decide não esperar. Ela poderia ficar em casa, contando minutos e ressentimentos, à espera do pedido de desculpas que talvez nem se forme. Em vez disso, escolhe sair e testar um Natal fora do roteiro, longe da lista de tarefas. Há alívio e teimosia no gesto, como quem tira o avental sem pedir licença. O obstáculo é o hábito, que pesa como culpa mesmo quando a rua parece indiferente. A história, então, desloca seu eixo: a mulher esquecida deixa de ser uma vítima parada e vira agente do próprio sumiço.

Do outro lado, a família reage tarde, mas reage. Não há plano, e isso se revela em decisões que não conversam entre si: um tenta comandar, outro terceiriza, outro foge da responsabilidade com um telefonema apressado. O objetivo não é apenas achar Claire, mas evitar que a falha vire uma história repetida por anos, um estigma doméstico. No caminho, a falta de coordenação se mistura a algo mais fundo: sem a pessoa que tocava tudo, falta intimidade prática, falta jeito. A corrida vira barulho de comédia e, ao mesmo tempo, vergonha de drama familiar.

O contraste de Showalter entre barulho e silêncio

Showalter arma esse contraste sem empurrar a questão para o tom de lição. Ao alternar o alvoroço do grupo com a respiração mais longa do caminho de Claire, ele mexe no ritmo e, com isso, no que se entende como problema: não é só esquecer alguém em casa, é não notar quem fazia o Natal existir, ou melhor, notar apenas quando some. O interesse, aqui, é deslocar o olhar para o trabalho emocional sem pedir aplauso nem punição exemplar. O empecilho é o formato da comédia natalina no streaming, que costuma apertar tudo numa reconciliação rápida. O efeito é uma narrativa que tenta manter leveza e desconforto no mesmo quadro.

O que Claire encontra fora da casa vira aventura com um absurdo dosado, sem depender de explicação sobrenatural. Ela aceita convites, desvia de planos, improvisa rotas, porque voltar ao papel conhecido soaria como rendição. O que ela procura é uma outra versão de si, nem que dure poucas horas. Contra isso, vem o olhar social que recoloca mães no posto de responsáveis, mesmo quando elas tentam desaparecer. Quando a engrenagem acerta, o humor nasce de observação: a graça vem do atrito entre liberdade recém-descoberta e cobranças antigas.

A trapalhada vira método e o corpo denuncia o custo

Telefones. Mensagens. Endereços errados. Carro parado. Porta fechada. Outra porta. Alguém se atrasa. Alguém chega cedo demais. Ninguém confirma. A motivação muda a cada minuto, oscilando entre resgate sincero e medo do ridículo. A trapalhada cresce com a pressa, e a bagunça vira método involuntário. Só que o caos deixa de ser apenas engraçado quando encosta numa constatação seca: quase ninguém sabe cuidar de ninguém sem a pessoa que sempre cuidou.

A presença de Pfeiffer dá ao filme uma âncora e impede que Claire vire caricatura. Ela age com firmeza sem precisar de bravura anunciada, e o cansaço aparece como coisa física, nos ombros e no olhar, não como piada. Ainda assim, há curiosidade, como se aquela noite fosse um teste silencioso. O que move a personagem se entende mais no corpo do que em frases prontas. O roteiro, em alguns trechos, prefere o exagero natalino ao silêncio desconfortável. O fecho fica suspenso justamente quando a casa precisa aprender a funcionar sem sua gerente, e isso não se resolve com enfeite.

Filme: Um. Natal. Surreal
Diretor: Michael Showalter
Ano: 2025
Gênero: Comédia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★