Em “A Grande Inundação”, o colapso do mundo não é tratado como espetáculo grandioso, mas como consequência lógica de uma sequência de decisões humanas. Após o impacto de múltiplos asteroides, os oceanos avançam sobre as cidades e transformam prédios residenciais em armadilhas verticais. É nesse cenário que Anna, vivida por Kim Da-mi, tenta sobreviver ao lado de Ja-In, interpretado por Kwon Eun-sung. Eles vivem em um edifício que, pouco a pouco, desaparece sob a água. A promessa de salvação surge na figura de Hee-jo, personagem de Park Hae-jo, encarregado de conduzi-los até o terraço, onde um helicóptero supostamente fará o resgate. A travessia pelos andares alagados expõe encontros breves, mas significativos, com outras pessoas que já aceitaram o fim. O filme estabelece, desde cedo, que a inundação é menos sobre destruição física e mais sobre escolhas feitas sob pressão extrema.
A revelação científica por trás da maternidade
À medida que a narrativa avança, a lógica do desastre começa a se deslocar. Anna não é apenas uma mãe tentando salvar o filho. Ela é uma cientista ligada aos laboratórios ISABELLA, uma instituição capaz de criar corpos humanos artificialmente, mas incapaz de reproduzir emoções autênticas. Ja-In não nasceu de Anna; ele é uma criação do laboratório, um experimento vivo destinado a gerar dados emocionais. A missão inicial de Anna foi criar esse vínculo materno para que, após cinco anos, todas as respostas afetivas da criança fossem extraídas e enviadas aos servidores da empresa. A inundação, então, deixa de ser um evento aleatório e passa a ser parte de um plano maior. O helicóptero no terraço não representa salvação, mas separação. Ja-In é capturado, sedado e tem seus dados retirados, enquanto Hee-jo é eliminado. Anna segue viva porque ainda falta algo essencial ao projeto: a experiência completa da mãe diante da perda.
Simulação, repetição e desgaste ético
O núcleo mais ambicioso do filme surge quando se revela que toda a fuga pelo prédio é uma simulação. Anna, conectada a cabos e sensores, revive repetidamente o mesmo dia dentro de um ambiente virtual criado pelos laboratórios ISABELLA. Cada falha reinicia o processo. Cada morte é apenas mais um dado coletado. O número estampado em sua camiseta muda a cada tentativa, indicando milhares de repetições. O objetivo não é salvar Ja-In, mas extrair de Anna a totalidade de suas reações emocionais: medo, culpa, persistência, desespero. Hee-jo, os agentes armados e os obstáculos não passam de variáveis programadas para testar seus limites. A inundação funciona como um laboratório moral, no qual a maternidade é tratada como algoritmo treinável. O filme encontra força nessa ideia, mas também fragilidade ao explicar pouco suas regras internas, exigindo do espectador uma leitura ativa.
Encerramento e ambição conceitual
“A Grande Inundação” propõe um debate claro sobre o limite entre ciência e instrumentalização da experiência humana. Nem tudo se encaixa com rigor absoluto, mas o filme não se esconde atrás da confusão. Ele assume o risco de transformar o afeto em experimento e a maternidade em último território ainda não dominado pela tecnologia. O resultado é irregular, porém intelectualmente provocador, mais interessado em levantar problemas do que em oferecer conforto narrativo.
★★★★★★★★★★




