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Jogador Número 1: o cruzamento entre cultura pop e ambição cult no cinema de Steven Spielberg, na Netflix

Jogador Número 1: o cruzamento entre cultura pop e ambição cult no cinema de Steven Spielberg, na Netflix

A trama de “Jogador Número 1“ parte de um futuro em colapso social, onde Wade Watts, vivido por Tye Sheridan, encontra no OASIS mais do que entretenimento: ali está a chance de escapar da precariedade cotidiana e, quem sabe, reescrever o próprio destino. Criado por James Halliday, personagem de Mark Rylance, o universo virtual se transforma em herança disputada após sua morte, com desafios que exigem não força física, mas intimidade quase obsessiva com a cultura pop do criador. É nesse ponto que o filme define seu tom: menos interessado em tecnologia como ameaça e mais em fantasia como refúgio emocional. A jornada de Wade, ao lado de Samantha, interpretada por Olivia Cooke, estrutura-se como uma corrida contra corporações gananciosas, especialmente a liderada por Nolan Sorrento, papel de Ben Mendelsohn. A narrativa não esconde seu gosto pela aventura juvenil, nem tenta disfarçar a crença quase ingênua de que conhecimento cultural pode ser arma política. Essa aposta, embora sedutora, já indica seus limites.

Nostalgia como linguagem e armadilha

O grande motor simbólico do filme é a nostalgia. O OASIS funciona como um parque de diversões construído sobre memórias coletivas, onde cada referência atua como senha de pertencimento. De Voltron ao Overlook Hotel, passando pelo DeLorean de De Volta para o Futuro, o prazer está no reconhecimento imediato. Steven Spielberg entende esse mecanismo melhor do que ninguém, mas aqui flerta com um risco evidente: transformar lembrança em fetiche. A história avança mais pelo acúmulo de piscadelas do que pelo conflito interno dos personagens. Wade é definido por seu repertório, não por dilemas profundos, enquanto Samantha ganha contornos mais humanos, ainda que também limitados. Há encanto nesse jogo de citações, mas ele cobra um preço. Quando a narrativa depende demais do passado, o futuro que ela tenta imaginar perde densidade. A diversão é constante, mas raramente inquieta.

Personagens entre avatares e pessoas

O contraste entre o mundo real e o virtual reforça um problema central: os personagens parecem mais vivos quando são avatares. No OASIS, Wade é Parzival; Samantha vira Art3mis; Aech, Daito e Sho formam um grupo carismático. Fora dali, a dramaturgia esfria. Tye Sheridan sustenta bem o espírito aventureiro, mas o arco emocional de Wade é raso. Olivia Cooke traz mais energia e senso de urgência, sugerindo conflitos que o roteiro apenas tangencia. Mark Rylance, como Halliday, injeta melancolia e certa culpa retrospectiva, funcionando quase como consciência tardia da história. Ben Mendelsohn exagera com prazer, encarnando um vilão corporativo que beira a caricatura, mas que serve ao tom geral. O desequilíbrio está na escrita, que privilegia ação e enigmas em detrimento de transformação humana.

Espetáculo, controle e o limite da fantasia

Spielberg conduz o espetáculo com segurança técnica e ritmo preciso, especialmente nas sequências de perseguição e nos desafios que misturam lógica de videogame e narrativa clássica. Ainda assim, falta risco. O discurso sobre controle corporativo e liberdade criativa aparece de forma direta demais, quase pedagógica. Quando o filme tenta emocionar, recorre a atalhos sentimentais que não foram plenamente preparados. “Jogador Número 1“ diverte, empolga e seduz, mas raramente permanece. Como experiência, é generosa; como reflexão, é contida. Talvez o maior paradoxo esteja aí: um filme que celebra a imaginação, mas tem receio de ir além do conforto que ela oferece. O resultado é um entretenimento vibrante, porém seguro demais para deixar marcas profundas.

Filme: Jogador Número 1
Diretor: Steven Spielberg
Ano: 2018
Gênero: Ação/Aventura
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★