“Uma Batalha Após a Outra” não se preocupa em seduzir. O filme abre de maneira quase agressiva, com cenas que parecem deliberadamente desorganizadas, um ritmo que beira o descuido e uma encenação que flerta com o grotesco. Nada ali busca acolher o espectador. Pelo contrário: há um desejo claro de deslocamento, de provocar estranhamento imediato. A sucessão de episódios sem contexto claro, a sexualidade exibida sem mediação afetiva e a sensação constante de improviso criam um ambiente incômodo. Essa escolha inicial não é erro de cálculo, mas um gesto de recusa. Paul Thomas Anderson parece dizer que não está interessado em conduzir pela mão, e sim em forçar o olhar a permanecer atento, mesmo quando tudo parece excessivo ou mal resolvido.
Leonardo DiCaprio interpreta Bob como um homem que já ultrapassou o auge de suas convicções. Ele lidera o grupo revolucionário French 75 não como um visionário, mas como alguém preso a uma ideia que já não sabe sustentar plenamente. Bob é contraditório, falho, às vezes ridículo. Seu discurso político é menos importante do que sua relação com Willa, a filha que teve com Perfidia Beverly Hills. O conflito central do filme não está apenas no embate entre revolução e Estado, mas na tentativa desesperada de Bob de conciliar militância e paternidade. DiCaprio acerta ao não transformar esse personagem em herói nem em mártir. Ele é um homem cansado, preso a um ideal que já cobrou caro demais.
Perfidia e a política sem afeto
Teyana Taylor constrói Perfidia Beverly Hills como uma presença quase incendiária. Diferente de Bob, ela não demonstra fissuras visíveis. Sua entrega à causa é total, e isso inclui o abandono de qualquer resquício de vida privada. Perfidia não negocia, não recua, não suaviza. Essa rigidez torna sua relação com Willa profundamente problemática, ainda que o filme evite julgamentos diretos. Há algo de perturbador na maneira como a maternidade é tratada como obstáculo e não como vínculo. Anderson parece interessado em questionar o preço humano da radicalização, especialmente quando a política passa a substituir qualquer forma de afeto.
Sean Penn domina cada cena como o coronel Steven Lockjaw. Sua atuação é construída a partir da contenção, não do excesso. Lockjaw não grita, não ameaça abertamente; ele observa, calcula e avança com a certeza de quem se sente autorizado a agir. A perseguição ao French 75 não é movida por justiça, mas por controle. Lockjaw representa o Estado que se legitima pelo medo e pela repetição da força. Penn transforma esse personagem em algo mais inquietante do que um vilão tradicional: ele é funcional, eficiente e, por isso mesmo, assustador. Sua presença expõe a face mais fria da autoridade.
Willa e o futuro em disputa
Chase Infiniti oferece a interpretação mais sensível do filme. Willa é o elo entre dois mundos que insistem em se destruir mutuamente. Ao longo da narrativa, acompanhamos seu crescimento e a progressiva consciência do ambiente violento que a cerca. Ela observa, aprende e absorve mais do que os adultos percebem. O filme entende que o maior campo de batalha não está nas ruas ou nas ações armadas, mas na formação dessa jovem, forçada a herdar conflitos que não escolheu. Willa não é símbolo; é consequência.
Entre a crítica e o sermão
O maior problema de “Uma Batalha Após a Outra” surge quando a ambiguidade cede espaço à explicação excessiva. Em alguns momentos, o filme confia pouco na inteligência de quem assiste e transforma tensão política em discurso direto. Ainda assim, o saldo permanece provocador. Anderson constrói uma narrativa que incomoda porque se recusa a oferecer alívio moral. Não há lados confortáveis, apenas sistemas falhos e pessoas tentando sobreviver a eles. O filme termina sem apaziguamento, deixando a sensação incômoda de que nenhuma batalha realmente termina, apenas muda de forma.
★★★★★★★★★★




