O cinema, quando usado como instrumento de crítica e denúncia, é poderoso. “L’Avance” é um curta-metragem francês dirigido por Djiby Kebe e coroteirizado com Ahmadou Bamba Thiam que, em apenas 18 minutos, constrói um comentário social certeiro e fulminante. Com trilha sonora minimalista e fotografia intimista, o filme fala mais por meio de closes em microexpressões e gestos do que pelas palavras. Influenciado por Robert Bresson e Samuel Fuller, o curta explora a marginalidade e o fatalismo a partir de personagens presos em estruturas sociais rígidas.
O enredo gira em torno de Aliou (Saabo Balde), um artista plástico que estuda na Escola de Belas Artes de Paris e planeja a exposição de um quadro carregado de valor sentimental: uma pintura que ele fez de um retrato em que ainda era criança, ao lado da irmã e da mãe, já falecida. Ele apresenta a obra a Marie (Julia Faure), uma colecionadora que imediatamente demonstra interesse em adquiri-la. A negociação é rápida. Ela oferece três mil libras pela pintura e Aliou, movido tanto pela necessidade financeira quanto pela satisfação de ser visto como um artista com valor comercial, aceita a proposta.
Em casa, ao saber da venda do quadro, a irmã o confronta: “Estranhos vão ter uma foto da mamãe dentro de casa?”. À primeira vista, a pergunta pode soar exagerada. Afinal, esse é o destino de grande parte das obras de arte: serem expostas em mansões ou museus para que desconhecidos as admirem. Como espectadora, naquele momento, o questionamento não me parecia totalmente válido. Mas as peças se encaixam quando Aliou chega à casa de Marie, à noite, para entregar a pintura.
A inclusão que neutraliza
Aliou encontra Marie em meio a um coquetel com amigos de seu círculo intelectual, elitista e majoritariamente branco. Ela o apresenta como um “novo amigo”. Pouco depois, outro artista, também negro, chega à festa. A câmera então se detém nos rostos de ambos, Aliou e o recém-chegado, os únicos dois homens negros da sala. As expressões capturam um misto de arrependimento, estranhamento e tristeza. Não há hostilidade entre eles, tampouco rivalidade. O desconforto nasce de outra percepção: a da substituibilidade.
Aliou entende que sua presença ali não é valorizada. Ele é intercambiável dentro de um ecossistema que se alimenta da diversidade para reafirmar posições sociais e produzir uma autoimagem moralmente progressista. A crítica do filme se revela de maneira afiada: mais violenta do que a exclusão explícita é a inclusão condicionada. O reconhecimento vem acompanhado de uma perda silenciosa de autonomia.
O que é aceito naquele grupo de pessoas brancas, ricas e autoproclamadas progressistas não é o indivíduo em sua complexidade, mas uma versão domesticada e simbólica do outro. O negro é admitido para ser exibido, não para integrar ou disputar as mesmas posições de poder. A autoridade permanece branca. A presença negra funciona como alívio de consciência, como prova de virtude social. Aliou não é acolhido como artista, ele é consumido como signo.
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