Discover
A crítica rejeitou, o público abraçou: o suspense com Dakota Fanning que está tirando o sono na Netflix Divulgação / The Irish Film Board

A crítica rejeitou, o público abraçou: o suspense com Dakota Fanning que está tirando o sono na Netflix

Uma tarefa pequena abre um buraco fundo, e “Os Observadores” não tenta amortecer a queda. Dirigido por Ishana Night Shyamalan e conduzido por Dakota Fanning, com Georgina Campbell e Olwen Fouéré como presenças decisivas ao redor da recém-chegada, o filme acompanha Mina, jovem artista que se perde em um bosque no oeste da Irlanda e, ao aceitar abrigo, fica confinada com três desconhecidos em um esconderijo onde criaturas misteriosas os observam todas as noites. O conflito aparece como rotina desde o início: sobreviver ao cerco e encontrar uma saída sem quebrar regras que parecem desenhadas para castigar qualquer desvio.

Mina entre Galway, Belfast e o prazo do escuro

Mina não escolhe a mata por apetite de aventura; ela cai ali por necessidade. Em Galway, trabalha numa loja de animais e aceita levar um pássaro raro até Belfast, decisão prática que promete dinheiro e distância — talvez também a chance de não encarar um luto que gruda nela. O obstáculo chega sem cerimônia: o carro falha, a estrada perde referências, e o verde engole o caminho. O efeito é imediato. O dia encurta. A noite vira prazo. Sem direção, cada tentativa de retorno gasta o pouco tempo que ainda existe.

Coop e o ritual diante do vidro de mão única

Quando o abrigo aparece, ele vem com condições. A casa é conhecida como Coop, e ali já vivem Madeline, Ciara e Daniel, sobreviventes que trocaram improviso por disciplina. A regra é simples e dura: antes do escuro, todos precisam estar dentro; depois, devem se posicionar diante de um grande vidro de mão única para que, do lado de fora, os Observadores vejam o grupo. A motivação é elementar, evitar ser atacado, mas o obstáculo verdadeiro é aceitar a humilhação cotidiana de ser examinado, noite após noite, como parte do preço.

Luz caindo. A porta fechada. O vidro frio. Quatro rostos em linha. Um sussurro que não adianta. Um estalo lá fora. Ninguém se mexe.

Esse ritual noturno desenha as relações. Mina tenta negociar, pergunta demais, mede riscos, mas encontra uma barreira que os outros defendem com os dentes. Madeline assume o comando porque acredita que a ordem segura a vida, e a consequência é transformar o abrigo em tribunal: discordar vira ameaça ao grupo. Ciara reage com pressa e irritação, como se cada conversa gastasse um recurso finito. Daniel tenta conciliar, mas a moderação dele vira alvo quando a ansiedade pede um culpado.

Relógios invisíveis e o bosque como sistema fechado

O suspense cresce porque o filme trabalha com relógios invisíveis. A luz do dia dá margem de ação e, por isso, cada decisão diurna pede cálculo: explorar o entorno, buscar uma rota, preservar energia, manter uma confiança mínima. Só que o bosque devolve a mesma resposta, sempre. Ele funciona como sistema fechado. Caminhos dobram. Distâncias se embaralham. Quando alguém tenta ir mais longe, volta ao mesmo ponto, e o efeito é uma claustrofobia a céu aberto — um cerco sem muro, ou melhor, com um muro que se desloca com a própria floresta, deixando marcas no corpo e na cabeça.

Ishana Night Shyamalan reforça essa pressão com escolhas que preferem o medo pelo detalhe. O lado de fora se impõe antes de ganhar forma, com raspagens, passos sugeridos e um silêncio que faz o ouvido caçar perigo em qualquer folha. O vidro, sempre ali, amplia a sensação de controle: não basta estar vivo; é preciso estar visível, composto, “correto”. Nesses instantes, a ameaça se instala na obrigação de obedecer, não na repetição de sustos.

Quando o roteiro explica demais, o medo escapa

Há, porém, uma decisão de escrita que pesa contra essa força. Conforme as noites se acumulam, o roteiro passa a explicar demais o que cerca a casa, como se desconfiasse do que a imagem e o som já plantaram. O obstáculo dramático muda de lugar: em vez de acompanhar escolhas urgentes e seus custos, a narrativa injeta informação em excesso, e parte da tensão escapa quando o medo vira assunto de fala longa. A premissa, tão nítida no gesto de alinhar-se diante do vidro, perde firmeza quando tenta justificar tudo.

Mesmo com esse tropeço, os atores sustentam o interesse. Fanning constrói uma Mina resistente, pouco dada a discursos, alguém que reage mais com o corpo do que com explicações — combinação natural para um lugar em que falar pode custar tempo. Campbell dá a Ciara um impulso defensivo que roça a agressividade e torna visível a lógica do pânico. Fouéré, como Madeline, impõe autoridade com voz e olhar, e esse controle vira obstáculo interno tão concreto quanto o bosque.

Quando o filme volta ao essencial, ele recupera o que tem de mais inquietante: a vida reduzida a um ritual diante de um vidro. A cada noite, a escolha não é grandiosa; é baixa, apertada, quase mesquinha: obedecer para viver, mesmo sem entender, e aceitar que sobreviver pode exigir desempenho. Quando a câmera fixa os quatro alinhados, esperando o som do lado de fora e medindo até a respiração, o bosque deixa de ser cenário e vira sentença; no vidro, o reflexo pálido não consola ninguém, apenas confirma quem está sob olhar.

Filme: Os Observadores
Diretor: Ishana Shyamalan
Ano: 2024
Gênero: Fantasia/horror/Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★