Era a madrugada de uma terça-feira quando sons de disparos ecoaram no céu de Munique. Era 1972. Mais precisamente, 5 de setembro. Centenas de atletas de diversas nacionalidades dormiam à espera de suas competições, quando os telefones da polícia começaram a tocar. “Ouvimos tiros na Vila Olímpica”, diziam as testemunhas. Alguns sabiam indicar exatamente de quais dormitórios vinham os sons. Eram aqueles ocupados pela delegação israelense.
O pesadelo não poderia ser mais simbólico. No mesmo país onde, três décadas antes, judeus haviam sido deportados em massa para campos de extermínio, atletas israelenses voltavam a ser assassinados em solo alemão. Naquele instante inicial, ninguém sabia ao certo por quem, nem por quê. O que se tinha era apenas o ruído seco dos disparos e a percepção de que o ideal olímpico havia sido brutalmente rompido.
A redação como campo de batalha
Em “Setembro 5”, Tim Fehlbaum escolhe não acompanhar terroristas, vítimas ou autoridades políticas. Seu foco recai sobre uma engrenagem menos visível, mas decisiva: uma equipe de jornalismo esportivo americana que cobria os Jogos Olímpicos e, de repente, se viu responsável por narrar uma tragédia em tempo real.
Acostumados a transmitir provas, medalhas e resultados, o filme questiona: quem está preparado para cobrir a história quando ela desliza para fora do roteiro? Em um estúdio improvisado, profissionais como Geoffrey Mason (John Magaro), Roone Arledge (Peter Sarsgaard), Marvin Bader (Ben Chaplin) e Marianne Gebhardt (Leonie Benesch) tentam, com recursos limitados, construir uma cobertura que fosse ao mesmo tempo rápida, precisa e responsável.
O filme transforma câmeras, telefones e mesas de corte em personagens dramáticos. A busca pelo “furo” divide cena com o medo de errar. A pressão da audiência disputa espaço com o peso moral das imagens e fatos que estão prestes a ser exibidos.
A estética do confinamento e a ética da transmissão
A fotografia escura e saturada, aliada ao uso de lentes que comprimem o espaço, cria uma sensação constante de claustrofobia e tensão. O espectador compartilha a limitação física e informacional dos jornalistas: vê apenas fragmentos, escuta rumores, depende de fontes incertas. A montagem intercala cenas ficcionais com imagens reais captadas pela ABC em 1972, reforçando o caráter híbrido entre reconstrução e documento.
Fehlbaum não se interessa por um debate político amplo, como Steven Spielberg propôs em “Munique”. Sua recusa em se posicionar ideologicamente rendeu críticas, mas é justamente essa escolha que define o projeto. O filme prefere observar como decisões são tomadas sob pressão, como fatos são apurados enquanto ainda estão acontecendo e como a televisão, ao transmitir, também passa a interferir na própria realidade que registra.
Informação, espetáculo e o peso da responsabilidade
À medida que a apuração avança, a equipe identifica os responsáveis: o grupo terrorista clandestino Setembro Negro. As exigências se tornam públicas, os números circulam, as versões se contradizem. Sabe-se, então, que 11 israelenses haviam sido atacados, dos quais 9 permaneciam como reféns. Dois já estavam mortos desde a invasão dos dormitórios.
Tudo se desenrola de forma catastrófica. O que “Setembro 5” expõe com brutalidade é a transformação definitiva da tragédia em espetáculo global, mediada por câmeras que jamais se desligam. Uma das qualidades mais marcantes do filme é sua visceralidade. Não há música que alivie, nem discurso que desafogue do que está sufocando. Há apenas profissionais tentando fazer o que acreditam ser o correto enquanto a história escapa de qualquer controle.
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