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Queridinho do cinema atual, Josh O’Connor vive um fracassado sem redenção no novo filme da Mubi Divulgação / MUBI

Queridinho do cinema atual, Josh O’Connor vive um fracassado sem redenção no novo filme da Mubi

“The Mastermind“ chegou recentemente ao catálogo da Mubi e traz Josh O’Connor no papel principal. Ele interpreta J. B. Mooney, pai de família e carpinteiro autônomo, cuja vida profissional é marcada pela instabilidade financeira e pela ausência de qualquer perspectiva de ascensão. Ambientado no início dos anos 1970, período em que os Estados Unidos enfrentavam a corrosão do sonho americano, o trauma do Vietnã e uma crise econômica crescente, o filme apresenta Mooney como filho de um juiz respeitado, alguém que, em tese, teve todas as condições para prosperar.

Mesmo inteligente, Mooney abandonou a faculdade e nunca conseguiu converter suas oportunidades em sucesso concreto. Ele tampouco ocupa o lugar da miséria extrema: não é pobre o suficiente para ser uma vítima evidente do sistema, nem bem-sucedido o bastante para dele se beneficiar. Ele permanece num limbo social desconfortável. Não foi derrotado por forças extraordinárias. Ele simplesmente fracassou.

Proposta autoral e abordagem narrativa

Escrito, dirigido e editado por Kelly Reichardt, o longa flerta com um humor melancólico e comportamental, interessado menos no crime em si e mais na anatomia emocional de seu protagonista. O filme observa Mooney com paciência, buscando compreender sua sensação persistente de falta de propósito, sua insatisfação silenciosa e o desejo infantil de provar que é mais inteligente do que aparenta.

Sem pressa, a narrativa começa com o plano de roubo de obras de arte e só se encerra depois que as consequências desse gesto se instalam. Mooney acredita ser “uma mente brilhante por trás de um crime perfeito”, mas Reichardt constrói esse delírio com ironia delicada: ele não é ninguém especial. O filme acompanha, com atenção quase clínica, o momento em que a ambição encontra seus próprios limites.

O anti-heist

Reichardt não parece interessada em oferecer lições de moral ou grandes reviravoltas. Seu interesse está em acompanhar uma vida comum atravessando o cotidiano em uma tentativa atrapalhada, e fadada ao fracasso, de transformação. Em oposição direta aos filmes de assalto hollywoodianos, “The Mastermind“ propõe um anti-espetáculo.

Mooney não é particularmente corajoso, tampouco engenhoso. Seu desejo de enriquecer roubando obras de arte nasce menos da ousadia do que do tédio e da frustração. Ele não mira grandes museus nem obras de artistas consagrados como Leonardo da Vinci, Picasso ou Klimt. Seu alvo é um museu pequeno, regional, e pinturas de Arthur Dove, um modernista americano de importância histórica, mas sem o prestígio popular ou o valor simbólico imediato dos grandes mestres europeus.

Essas obras não representam poder, glamour ou status social. São discretas, pouco reconhecidas e, justamente por isso, parecem inteligentes, tanto quanto Mooney gostaria de parecer.

Simbolismo

O assalto é um reflexo direto de seu protagonista: pequeno, medíocre e sem ousadia real. Ainda assim, é uma tentativa desesperada de romper a estagnação, de produzir algum tipo de ruptura num cotidiano sufocante. Reichardt filma essa tentativa com rigor formal, utilizando uma montagem que privilegia silêncios, vazios e durações alongadas. Pouco se fala. O tempo parece suspenso. A vida, imutável.

O problema é que o golpe é pequeno demais para provocar qualquer transformação real. Depois dele, nada se reorganiza. Mooney continua preso ao mesmo lugar social e emocional, engolido por um sistema que não o expulsa, mas tampouco o acolhe. Não é pobre, não é rico. É alguém que falhou em se encaixar.

Em “The Mastermind“, Kelly Reichardt constrói uma crítica silenciosa ao sonho americano ao observar não os que caíram do topo, mas os que nunca conseguiram escalar. Mooney não é um herói trágico nem um vilão carismático. Ele é apenas um homem comum confrontado com a percepção tardia de que esforço, inteligência e oportunidade nem sempre conduzem a lugar algum. E talvez seja exatamente isso que faz de seu fracasso algo tão perturbador.

Filme: The Mastermind
Diretor: Kelly Reichardt
Ano: 2025
Gênero: Crime
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.