Em Maybrook, um vilarejo na Pensilvânia, a rotina escolar se transforma em investigação. “A Hora do Mal”, dirigido por Zach Cregger, começa quando 17 crianças da turma de Justine Gandy somem às 2h17, deixando um único aluno para trás e uma cidade inteira sem idioma para explicar o que aconteceu. Julia Garner interpreta Justine, professora que, em poucas horas, sai do lugar de referência discreta e vira suspeita preferencial. Josh Brolin vive Archer Graff, pai de um dos desaparecidos, e Alden Ehrenreich faz o policial Paul Morgan; os dois entram no mesmo conflito: entender o que levou crianças a sair de casa e desaparecer antes que a necessidade de resposta se converta em punição. Sem pista disponível, Justine decide se apresentar; Maybrook decide desconfiar.
A primeira escolha dramática é da cidade. Pais exigem respostas, apertam a escola, cercam a delegacia, cobram gesto das autoridades. A polícia decide organizar buscas e pedir tempo, para não perder o pouco que houver, mas esbarra num obstáculo que o filme trata sem ornamento: não existem marcas que conduzam o olhar. Sem arrombamento, sem briga, a investigação cresce sobre buracos. E buracos, ali, pedem culpados próximos.
Sirene. Portão da escola aberto antes da hora. Gente na fila para falar com o diretor. Um boato passa. Outro boato corrige o primeiro. Justine decide aparecer, mesmo sem convite, porque entende que o silêncio vira sentença. Quer preservar a própria dignidade e impedir que a sala vire tribunal. O obstáculo é o clima de linchamento, feito de frases truncadas e olhos que não cedem. A presença dela não acalma. Só aumenta o ruído. O desaparecimento vira caso, e vira disputa pública.
Escola, direção e a busca por um culpado
Marcus, o diretor, toma uma providência que tem cara de burocracia, mas funciona como política. Ele decide afastar Justine, para resguardar a escola e oferecer algum freio à pressão, embora não tenha prova contra ela. A motivação é clara: dar à cidade um sinal de comando. Só que o gesto não resolve a falta de informação; apenas desloca a raiva. O resultado é que Justine perde o acesso às rotinas e aos corredores e passa a depender de encontros laterais, de conversas pela metade, de uma circulação desconfortável, sempre medida, sempre vigiada.
Archer escolhe um caminho por fora. Ele revira imagens de câmeras, tenta reconstituir trajetos, porque não aceita o ritmo do procedimento e precisa agir. O problema está na normalidade do que ele vê: ruas vazias, portas fechadas, horários repetidos, nada que explique por que crianças correriam sozinhas. O efeito é um pai acumulando fragmentos que não encaixam e, ao acumulá-los, empurrando a história para além da escola, em direção a casas idênticas e cruzamentos que parecem levar ao mesmo lugar, como se Maybrook escondesse um mapa que só aparece tarde demais.
Paul carrega a pressão do cargo. Ele decide seguir o rito: depoimentos, registros, vigilância, resposta a superiores que também não têm resposta. Faz isso para manter algum contorno num lugar que começa a desconfiar de tudo. O obstáculo vem da intimidade da cidade: testemunha é vizinho, suspeito é conhecido, e cada relato chega com interesse embutido. A autoridade do uniforme, então, não fecha a narrativa. Ela apenas desloca a violência para o que se diz e, com igual força, para o que fica engasgado.
Ponto de vista e a pressão que não cessa
O roteiro não se prende a um guia único; ou melhor, prende e solta, volta e troca, como se a pergunta central pedisse olhos demais para caber num só. Ao saltar no tempo e mudar de observador, rearranja a informação e faz decisões tomadas cedo parecerem mais caras quando reaparecem. Nesse vaivém, 2h17 retorna como carimbo mental, um horário que volta a assombrar quando Maybrook acredita ter avançado. A compreensão chega em pedaços. Os personagens agem com esses pedaços. O relógio deixa de ser detalhe e passa a comandar a ansiedade de quem procura, de quem disfarça, de quem tenta apenas atravessar o dia sem ser engolido pela dúvida.
É nesse terreno que o terror se instala. O medo nasce menos de aparições e mais da ideia de que uma casa pode ser atravessada sem alarde, e uma criança pode obedecer a um chamado invisível. O subúrbio aparece como lugar onde a violência vive à espera de permissão, mesmo quando armas não entram em cena. Gente decide vigiar quintais, conferir portas, seguir carros, por autopreservação e por um senso difuso de ameaça. Só que vigiar não produz certeza. Estica a noite, fabrica enganos. E deixa a comunidade em prontidão permanente, convertendo gestos em indícios e atrasos em culpa.
Quando as linhas de Justine, Archer e Paul convergem para um mesmo endereço, depois de semanas em que cada pista abre outra ferida, o filme instala seu ponto de maior risco sem fazer anúncio. Cada um avança por um motivo distinto, culpa, desespero, dever. O obstáculo é físico, imediato. Entrar significa se expor. Ficar do lado de fora significa aceitar a perda. A montagem acelera passos e corta conversas no meio; o som aproxima ouvido e parede, como se o ambiente participasse da escolha. A consequência é um abalo que não se limita ao espaço, porque muda o que cada um acredita estar procurando.
Depois disso, “A Hora do Mal” mantém a contagem aberta, sem devolver Maybrook ao que era. O que permanece é um retrato de adultos que, diante de um vazio, preferem a certeza apressada à dúvida trabalhosa, ainda que isso arruíne alguém ao lado. 2h17 volta como lembrança automática: um número que gruda, que reaparece no som de um despertador, no brilho de um visor, na espera que não se resolve.
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