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Romance com Kate Winslet na Netflix tranca uma mãe solitária e um fugitivo na mesma casa e mostra como o amor pode ser implacável Dale Robinette / Paramount Pictures

Romance com Kate Winslet na Netflix tranca uma mãe solitária e um fugitivo na mesma casa e mostra como o amor pode ser implacável

Ambientado no interior dos Estados Unidos em pleno fim de verão, o filme apresenta Adele, mãe divorciada que mal consegue sair de casa, e Henry, o filho de 13 anos que tenta, com gestos pequenos, impedir que a rotina da mãe afunde de vez. Em “Refém da Paixão”, Jason Reitman se apoia na fragilidade exposta de Kate Winslet, na presença física contida de Josh Brolin e no olhar inquieto de Gattlin Griffith para narrar o encontro entre essa família encolhida e Frank Chambers, condenado em fuga que entra na vida dos dois primeiro como ameaça, depois como hóspede improvável durante o feriado do Dia do Trabalho. O conflito central nasce justamente desse convívio forçado que mistura medo, desejo e a possibilidade de uma vida diferente comprimida em poucos dias.

A rotina de Adele, composta por idas raras ao mercado e longos períodos trancada com o filho, já sugere uma casa em estado de luto permanente, mesmo sem uma tragédia recente claramente enunciada. Henry funciona como ponte com o mundo exterior, mas também como espécie de guardião infantil daquela bolha, o que torna mais contundente o momento em que ele encontra Frank ferido e permite que o estranho se aproxime. A decisão de levá-lo para casa, tomada sob pressão e sob um medo muito concreto, altera de imediato a hierarquia daquele espaço; de um lado, a presença física do foragido, do outro, a vulnerabilidade dessa mulher que já parecia intimidada pela própria vida cotidiana. O filme constrói aí um campo de tensão em que qualquer gesto pode aproximar a polícia ou acalmar o visitante.

A partir do momento em que Frank se instala na casa, a narrativa passa a girar em torno de um cerco que é tanto policial quanto doméstico. Ele amarra as mãos de Adele apenas no começo; depois, o que o mantém ali é um acordo silencioso que combina necessidade prática e atração crescente. O fugitivo cozinha, limpa, faz reparos, ensina o garoto a jogar beisebol e a lidar com ferramentas, enquanto a mãe, aos poucos, deixa de se mover como quem pede desculpas por existir. Há uma inversão curiosa nessa dinâmica: o homem teoricamente perigoso assume o papel de figura estabilizadora, enquanto a ameaça passa a vir de fora, de cada carro que reduz a velocidade na rua, de cada olhar que repara um pouco mais naquelas janelas.

Entre esses gestos, a famosa sequência da torta funciona como síntese da estratégia de Reitman. Ao colocar Adele, Frank e Henry em torno da massa, manipulando frutas e farinha, o filme transforma uma receita em coreografia de intimidade, onde mãos se tocam e olhares se demoram com uma atenção que não existia antes naquela casa. A cena, muito comentada desde o lançamento, reforça a ideia de que o desejo não irrompe em grandes declarações, mas se infiltra por tarefas prosaicas, por convites para participar da cozinha ou por um abraço que dura um pouco mais. Ao mesmo tempo, o preparo paciente da torta ecoa a noção de tempo suspenso: é preciso esperar a massa descansar, é preciso esperar o forno, é preciso esperar que a polícia passe sem notar nada.

Henry, colocado entre a mãe e o foragido, vive esses dias como um laboratório confuso de lealdades e projeções. Ele enxerga em Frank a figura paterna ausente, alguém que o ensina tarefas práticas, que o trata como parceiro nos pequenos trabalhos, que o inclui em decisões que, até então, passavam ao largo da sua voz. Ao mesmo tempo, o garoto percebe o surgimento de um vínculo amoroso entre Adele e Frank, e esse sentimento o ameaça de outra forma, como se a possibilidade de felicidade adulta pudesse empurrá-lo para fora daquela célula frágil que ele se acostumou a proteger. O drama se organiza, então, em torno de escolhas que nenhum deles domina completamente, atravessadas por um relógio que não para de correr.

Adele, tal como Winslet a constrói, parece sempre à beira de recuar um passo, mesmo quando aceita dançar com Frank ou cogita a fuga. Na sua postura encurvada, na voz baixa, na maneira como segura o próprio corpo, há a memória de perdas que a narrativa explicita em flashbacks e confidências, mas que o filme também trabalha como uma espécie de marca física contínua. O interesse por Frank nasce tanto da carência afetiva quanto da percepção de que aquele homem, com toda a carga de violência e culpa que carrega, a enxerga de fato, dentro daquela casa onde há anos nada de imprevisto acontece. A decisão de apostar nessa presença, mesmo sabendo do risco, confere ao romance um tom de aposta desesperada mais do que de fantasia adolescente.

Do outro lado, Brolin interpreta Frank como alguém que tem plena consciência do perigo que representa para aquela família, mas decide permanecer, e não apenas por necessidade de esconderijo. Há em seus gestos uma tentativa constante de reparar, de consertar o que está quebrado, seja o chão da casa, seja o motor do carro, seja a autoestima de Adele, seja a falta de um modelo masculino para Henry. Esse impulso de correção não apaga o passado criminal do personagem, que o filme expõe em flashbacks, mas cria uma tensão interessante entre aquilo que ele foi e aquilo que tenta ser naquele curto espaço de tempo. Cada pequeno favor que faz para a mãe e o filho os aproxima de uma vida imaginada, enquanto o histórico de violência mantém a ameaça como sombra permanente.

Jason Reitman, conhecido por retratar relações contemporâneas em títulos como “Juno”, “Amor Sem Escalas” e “Jovens Adultos”, arrisca aqui um melodrama mais clássico, ambientado nos anos 1980, com ritmo menos irônico e mais entregue ao romance. A fotografia de Eric Steelberg privilegia interiores quentes e exteriores de fim de verão, com ruas tranquilas e casas afastadas que reforçam o sentimento de enclave daquela residência. A trilha de Rolfe Kent, recorrente colaborador do diretor, sublinha essa mistura de ameaça e conforto, alternando momentos de tensão discreta com passagens em que parece apenas acompanhar o amadurecimento de Henry ao observar os adultos.

Parte da recepção internacional ao filme apontou justamente para o que há de inverossímil na história de amor entre a dona de casa retraída e o condenado em fuga, ressaltando o risco de sentimentalismo em alguns trechos. Ainda assim, mesmo as leituras mais críticas costumam reconhecer a intensidade das atuações de Winslet e Brolin, que sustentam a narrativa quando a premissa parece esticar um pouco o pacto de credibilidade do espectador. Ao optar por um tom abertamente romântico, sem ironia de proteção, Reitman assume o perigo de parecer antiquado, mas encontra no ponto de vista de Henry um contrapeso, já que tudo passa pelo olhar de alguém que descobre de uma vez só o medo do crime, a sexualidade dos adultos e a chance de uma vida menos isolada.

À medida que o fim de semana avança, o cerco institucional se intensifica, seja na patrulha que se aproxima, seja na vizinha que aparece na porta, seja no simples fato de o carro estar sempre pronto para sair. Cada visita inesperada reorganiza o tabuleiro, obriga Frank a decidir se se apresenta como pai de família improvisado ou se recua para a sombra do quarto, obriga Adele a escolher entre a transparência e o risco de levantar suspeitas, obriga Henry a calibrar o quanto revela do segredo que guarda. Nessas passagens, o filme alcança seus melhores momentos, porque a pressão externa encosta diretamente no desejo íntimo, sem necessidade de grandes explosões.

Mais tarde, quando a narrativa se abre para a memória e acompanha as consequências daquele encontro ao longo dos anos, fica claro que o interesse maior está menos na reconstituição de fatos criminais e mais na marca que alguns poucos dias intensos deixam em pessoas que se julgavam condenadas à paralisia. “Refém da Paixão” se sustenta justamente nesse intervalo raro em que a casa, por alguns instantes, deixa de ser apenas abrigo precário e se torna a possibilidade de outra vida, ainda que o mundo lá fora insista em lembrar que certos feriados acabam, certas fugas se esgotam e certas promessas talvez só possam sobreviver na lembrança de quem as viveu.

Filme: Refém da Paixão
Diretor: Jason Reitman
Ano: 2013
Gênero: Crime/Drama/Romance/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★