Logo nos primeiros minutos, um grupo de amigos britânicos entra e sai de igrejas com aquela combinação conhecida de atraso, nervosismo e piadas sussurradas no banco. A comédia romântica britânica “Quatro Casamentos e um Funeral”, dirigida por Mike Newell e estrelada por Hugh Grant, Andie MacDowell e Kristin Scott Thomas, acompanha Charles, solteirão londrino eternamente atrasado, que se apaixona pela americana Carrie em um casamento e volta a encontrá-la em outras cerimônias, quase sempre na hora menos conveniente. À volta desse casal desencontrado, o grupo de amigos acumula convites, envolvimentos improváveis e pequenas derrotas, enquanto o medo de compromisso e a sensação de que o tempo avança rápido demais empurram todos para algum tipo de decisão.
Newell e o roteirista Richard Curtis estruturam a narrativa como uma cadeia de cinco grandes encontros sociais, cada um funcionando ao mesmo tempo como marco temporal e emocional. Em cerca de um ano e meio, quatro casamentos e um funeral concentram o que, em outra história, ocuparia décadas de avanços e recuos amorosos: velhos namoros reaparecem, paixões súbitas se instalam, alianças se rompem ao som de discursos de padrinho e de pistas de dança cheias. A repetição das cerimônias, com liturgias quase idênticas e convidados que voltam a aparecer, faz de cada toque de sino um aviso de que aquela geração não pode empurrar suas escolhas afetivas para sempre.
Charles, Hugh Grant e o medo de assumir o que sente
Charles ocupa logo o lugar daquele amigo que nunca chega no horário, incapaz de aparecer a tempo na igreja e igualmente incapaz de sustentar uma relação que sobreviva à fase encantada. Hugh Grant desenha o personagem com gaguejos, frases que se corrigem no meio do caminho e um embaraço corporal que transforma cada conversa em pequeno campo minado, sobretudo quando Carrie está ao alcance da voz. A dificuldade em assumir o que sente se repete a cada reencontro: ele prefere o comentário espirituoso ao gesto direto, deixa chances se perderem e observa, quase imobilizado, a possibilidade real de vê-la subir ao altar com outro homem.
Embora o foco principal permaneça em Charles, o filme ganha corpo na forma como se abre para um grupo de oito amigos cujas trajetórias se cruzam a cada nova missa. Carrie entra como figura magnética e levemente enigmática, dividida entre a vida confortável ao lado do escocês Hamish e a atração por aquele inglês desajeitado que raramente acerta a hora. Fiona, vivida por Kristin Scott Thomas, esconde um amor antigo por trás de uma ironia persistente; o casal Gareth e Matthew oferece ao grupo uma referência de parceria estável; Tom e Scarlett encarnam, à sua maneira, a fantasia de que o amor pode surgir de repente em qualquer mesa de convidados.
O funeral, a virada emocional e o olhar de Mike Newell
Em determinado ponto, a sequência de festas é interrompida por um funeral que altera silenciosamente as prioridades do grupo. A cerimônia, marcada pela leitura de um poema de W. H. Auden por um dos personagens, suspende o riso habitual e converte o som da igreja em eco de perda, não de celebração. A partir dali, a recusa de Charles em nomear o que sente deixa de funcionar apenas como piada recorrente e ganha o peso de alguém que corre o risco concreto de perder a chance de viver um vínculo tão cheio quanto o que foi celebrado e logo depois chorado.
Mike Newell filma tudo com uma simplicidade que engana, alternando planos abertos de igrejas e salões com closes de rostos que oscilam entre o riso automático e o medo de sair sozinho na foto. A escolha do roteiro de praticamente nunca mencionar carreiras profissionais reduz os personagens ao que contam uns aos outros nesses encontros, o que reforça a impressão de que a vida inteira deles cabe naquelas poucas horas de terno alugado e chapéu extravagante. Com orçamento modesto e cronograma apertado, o longa aproveita figurantes, olhares, movimentos de sala para sugerir um mundo social inteiro e, ao mesmo tempo, mantém a atenção nos pequenos momentos de hesitação que empurram ou travam o futuro dos casais.
Humor britânico, consagração e longa vida da comédia romântica
O humor nasce justamente do atrito entre sentimento e etiqueta. Em um dos casamentos, a fila de ex-namoradas que cruza o caminho de Charles expõe, diante da plateia inteira, a fama de “monogamista em série” incapaz de seguir adiante; em outro, o jovem padre Gerald, vivido por Rowan Atkinson, tropeça nas fórmulas do ritual e transforma quase cada frase do sermão em gag involuntária. Essas trapalhadas sucessivas lembram que o romance não cresce em ambientes controlados, mas em meio a constrangimentos, gafes públicas e pequenas crueldades sociais.
A recepção crítica e popular rapidamente levou o filme para além do rótulo de sucesso inesperado de bilheteria: indicado ao Oscar de melhor filme e de melhor roteiro original, vencedor de prêmios importantes no BAFTA e no Globo de Ouro, acabou se tornando cartão de visitas internacional para Hugh Grant e peça-chave do renascimento da comédia romântica britânica nos anos 1990. Não à toa, “Quatro Casamentos e um Funeral” aparece com frequência em listas das maiores comédias românticas já feitas, é tratado como clássico em rankings de cinema britânico e segue em circulação em plataformas de streaming e retrospectivas televisivas, disponível para espectadores que ainda nem tinham nascido quando aqueles sinos tocaram pela primeira vez.
Três décadas depois, a resistência do filme também se explica pela maneira como encara o amor sem ingenuidade nem cinismo completo. Esses personagens sabem que casamento pode nascer de impulso, cálculo, hábito; sabem que relações longas podem ruir e que paixões intensas nem sempre se transformam em vida partilhada. Mesmo assim, continuam a se reunir, brindar, trocar votos e promessas; a cada cerimônia, paira a ideia de que aquela talvez seja a última chance de acertar o passo com alguém. O reencontro do elenco no curta de beneficência feito para o Red Nose Day e a adaptação seriada recente indicam como essa história segue produzindo ecos, mas é no som de um despertador tocando tarde demais, ou na pausa antes de um “sim” no altar, que ela continua a se reconhecer em gerações diferentes.
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