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Indicado a 7 categorias no Globo de Ouro 2026, terror de ação na HBO Max virou obsessão entre os fãs Divulgação / Warner Bros.

Indicado a 7 categorias no Globo de Ouro 2026, terror de ação na HBO Max virou obsessão entre os fãs

Em “Pecadores”, Ryan Coogler volta ao longa autoral depois de “Pantera Negra” e “Creed” para acompanhar, com Michael B. Jordan em dois papéis, os gêmeos Elijah “Smoke” e Elias “Stack” Moore, veteranos da Primeira Guerra que regressam ao Delta do Mississippi em 1932 após anos a serviço da máfia de Chicago. Ao lado do primo Sammie (Miles Caton) e de Mary (Hailee Steinfeld), ex-namorada de Stack que se passa por branca, eles tentam transformar uma antiga serraria em juke joint para a comunidade negra, até perceberem que esse plano de emancipação econômica os coloca simultaneamente na mira de um vampiro irlandês e da violência racista organizada da região.

Lançado nos cinemas em abril de 2025 e hoje disponível no Brasil pela HBO Max e por locação digital, o filme se estrutura a partir de decisões muito concretas. Smoke e Stack recorrem ao dinheiro roubado do crime organizado para comprar o terreno, equipar o clube, contratar músicos e funcionários. A aposta parece direta: criar um espaço em que trabalhadores negros possam dançar, beber e ouvir blues longe do controle dos patrões brancos, embora continuem presos ao mesmo sistema de vales e dívidas das plantações. Cada garrafa armazenada, cada arranjo ensaiado por Sammie e cada reforma no prédio aproxima o sonho da abertura, mas também torna mais visível a afronta que o juke joint representa para a elite local.

Vampiro, Ku Klux Klan e economia do sangue

Quando o vampiro Remmick entra na narrativa, vindo da Irlanda e hospedado por um casal ligado à Ku Klux Klan, o filme explicita o jogo de espelhos entre exploração sobrenatural e exploração econômica. O interesse do monstro recai tanto sobre o sangue quanto sobre o talento musical de Sammie e o fluxo de corpos dentro do clube. Mary, por sua vez, encarna uma promessa ambígua de mobilidade social: mulher negra de pele clara, acostumada a circular entre espaços brancos e negros, representa uma possibilidade de ascensão que cobra, em troca, o apagamento de histórias e vínculos. Esse triângulo — vampiro europeu, racistas locais e comunidade negra — organiza o conflito em torno de quem transforma quem em alimento, literal ou simbólico.

Na primeira grande noite de funcionamento do clube, o filme comprime o tempo. A casa lota. Sammie sobe ao palco com o violão. “I Lied to You” mistura blues e ecos de outros ritmos, enquanto pessoas de épocas diferentes parecem compartilhar o mesmo pedaço de chão. O juke joint vira templo, pista de dança, encruzilhada. Remmick observa da sombra, fascinado, percebendo que aquele talento e aquela massa de gente podem se tornar uma fonte estável de poder. A partir desse ponto, cada refrão carrega uma sensação incômoda de que o sangue está sempre prestes a chegar.

Quando a violência se instala de vez e parte da comunidade começa a ser convertida à força, Coogler concentra a ação em torno do juke joint sitiado, quase como um western de interior. Remmick, do lado de fora, oferece àquele grupo exausto um pacto de imortalidade e prosperidade em troca de Sammie, ao mesmo tempo em que anuncia que o chefe local da Klan prepara um ataque ao amanhecer. A sequência se constrói menos como demonstração de suspense clássico e mais como retrato de um cerco histórico que nunca desapareceu, apenas alterou de forma e justificativa ao longo das décadas.

Imagem em 65mm, sangue e música em cena

Visualmente, “Pecadores” aposta no contraste constante entre corpos comprimidos em espaços fechados e os horizontes largos do Delta, fotografados por Autumn Durald Arkapaw em 65mm, com alternância de formatos de tela que marca o salto entre intimidade e lenda. A textura da imagem, cheia de grão e fumaça, torna o sangue espesso, quase táctil. Coogler privilegia efeitos práticos e maquiagem exuberante, algo confirmado pelo próprio diretor e por Michael B. Jordan ao relatarem o caos provocado pela quantidade de sangue cenográfico no set. A trilha de Ludwig Göransson, com canções em parceria com Raphael Saadiq, nasce de dentro do palco: coros, palmas, riffs de guitarra e batidas que misturam spirituals, blues, rock e ecos de rap até que a música disputa com os gritos o controle da cena.

Michael B. Jordan transforma a dupla Smoke/Stack num estudo de temperamentos e feridas: um irmão mais contido, exausto, disposto a arriscar tudo num negócio incerto; o outro mais impulsivo, sensível a promessas de dinheiro rápido e aceitação num mundo que continua hostil. O filme se ancora nessa divisão para mostrar como um mesmo corpo pode reunir, ao mesmo tempo, o impulso de proteger a comunidade e a tentação de abandoná-la. Miles Caton, como Sammie, cresce a cada aparição, passando do rapaz tímido, preso à fazenda e às ordens do pai pastor, ao músico capaz de convocar espíritos e memórias pelo som. Wunmi Mosaku, como Annie, faz da fé em práticas de Hoodoo uma forma de cuidado doméstico que se transforma em estratégia de sobrevivência, tratada pelo roteiro com respeito e ambiguidade, sem reduzir a personagem a rótulo folclórico.

Riscos de estúdio, recepção crítica e prêmios

Em alguns momentos, “Pecadores” parece grande demais para caber na moldura de um blockbuster, acumulando personagens, subtramas e ideias sobre religião, capitalismo e herança cultural que nem sempre chegam ao mesmo grau de definição. Ainda assim, a narrativa produz a rara impressão de um filme de estúdio disposto a correr riscos reais. A aclamação crítica, o bom desempenho de público e o reconhecimento em prêmios — das listas de melhores do ano do American Film Institute e do National Board of Review às sete indicações ao Globo de Ouro, incluindo melhor filme de drama, direção, roteiro, trilha, canção original e atuação para Jordan — indicam que essa aposta encontrou público. E permanece a imagem do palco improvisado, iluminado por luz quente, em que música e sangue disputam, por alguns minutos, o direito de mandar no mundo.

Filme: Pecadores
Diretor: Ryan Coogler
Ano: 2025
Gênero: Ação/Drama/horror/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★