Logo no início dos Jogos de Munique, a ABC Sports se organiza para mais um dia de imagens esportivas coreografadas, entrevistas leves, medalhas embaladas em frases prontas. Em “Setembro 5”, Peter Sarsgaard, John Magaro e Leonie Benesch, dirigidos por Tim Fehlbaum, ocupam esse aquário de vidro que, de repente, passa a assistir a uma invasão armada na Vila Olímpica, obrigando produtores e executivos a decidir quanto horror mostrar enquanto tentam proteger atletas, público e a própria equipe.
Antes de a violência irromper, o filme fixa o olhar em Roone Arledge, executivo vivido por Sarsgaard, que prefere tratar cada prova como espetáculo emocional. Ele manda cortar de um nadador vitorioso para a expressão abatida do rival alemão, certo de que a televisão depende de contrastes nítidos para segurar o público, convicto disso como um dogma. Essa escolha, aparentemente banal, prepara o terreno para o choque seguinte: quando chegam as notícias do ataque, a mesma lógica de show ameaça contaminar a reação ao sequestro.
Sala de controle em estado de choque
Quando os primeiros tiros ecoam ao longe, ainda de madrugada, ninguém na sala de controle compreende exatamente o que acontece. A equipe decide colocar ao fundo o som do rádio da polícia, traduzido às pressas por Marianne, funcionária local que Benesch interpreta com nervos à flor da pele e disciplina rígida, por ser a única que domina alemão e hebraico. O obstáculo é imediato: as informações chegam truncadas, atrasadas, muitas vezes contraditórias, e cada corte de câmera carrega a possibilidade de amplificar o pânico nas ruas e nas arquibancadas.
À medida que as horas avançam, o controle remoto do jogo esportivo se transforma no centro de comando de uma crise, e a sala claustrofóbica vira também fronteira física de tudo o que o público saberá naquele dia. Produtores mantêm câmeras apontadas para janelas distantes da Vila, movidos pela sensação de que sair do ar seria quase abandonar os reféns; ao mesmo tempo, policiais e autoridades tentam limitar o enquadramento, alegando que a transmissão pode ajudar os sequestradores. O resultado é um cerco em espelho, dentro e fora das telas.
Em Geoff Mason, produtor vivido por John Magaro, o filme concentra a fadiga dessa decisão contínua. Ele ganha a promoção ali mesmo, no susto. Assume a mesa de botões. Erra, corrige, hesita. Quer informar tudo. Teme mostrar demais. Recebe pressões da matriz, dos patrocinadores, dos colegas na cabine. Cada escolha de corte altera o ritmo da própria respiração. Em certo momento, quase pede para sair do ar, mas continua, convencido de que abandonar a tela também seria uma decisão pesada.
Ética, silêncio e o peso do relógio
Marianne, por sua vez, interpretada com contenção por Leonie Benesch, decide filtrar o que entrega aos chefes, suprimindo detalhes mais gráficos quando percebe que a voz falha, e esse recuo momentâneo altera o rumo da cobertura tanto quanto qualquer plano de câmera. Nesses instantes, a trilha praticamente desaparece, cede lugar ao zumbido dos monitores e ao clique dos relés, e o silêncio relativo obriga os presentes a encarar o próprio medo, sem a proteção da narração esportiva.
Perto do desfecho do dia, quando reféns e sequestradores são deslocados em direção ao aeroporto, o relógio de parede domina o quadro e passa a conduzir também a conversa entre Arledge, Mason e o restante da equipe. Eles discutem se continuam mostrando a movimentação policial em detalhes ou se recuam, depois de ouvir que os terroristas podem estar acompanhando tudo em televisores improvisados, e essa dúvida se torna o risco máximo: qualquer imagem a mais pode expor um alvo, qualquer corte brusco pode esconder do mundo um erro grave das autoridades.
Fora da sala envidraçada, o filme apresenta apenas fragmentos da Vila Olímpica e do aeroporto, quase sempre por reflexos ou telas internas, escolha de Tim Fehlbaum que mantém o espectador preso ao mesmo labirinto visual dos operadores. Markus Förderer filma monitores, cabos, vidros e rostos em close curto, guiado por uma ideia simples: a história daquele dia só existe ali dentro, condensada em sinais que cruzam fios e antenas. Quando o letreiro vermelho de ON AIR finalmente se apaga, o que fica é a memória física de uma cabine exausta, cheia de cinzeiros, copos esquecidos, um pôster desbotado de alguma final de basquete e um relógio que segue marcando o tempo, como se o sequestro ainda estivesse em andamento.
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