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Parceiros da Noite: filme de Al Pacino que enfrentou protestos antes da estreia está na HBO Max com ecos de Kubrick e Scorsese Divulgação / Lorimar Film Entertainment

Parceiros da Noite: filme de Al Pacino que enfrentou protestos antes da estreia está na HBO Max com ecos de Kubrick e Scorsese

Inspirado no livro homônimo de Gerald Walker, repórter do New York Times, “Parceiros da Noite“ é um filme ambivalente e que enfrentou muita resistência da comunidade gay de Nova York. Com mais de 40 minutos de gravações cortados da edição final para melhorar a classificação indicativa, o filme recebeu críticas mistas à época e enfrentou, durante as filmagens, sabotagens, protestos e boicotes de pessoas que achavam que o filme estigmatizaria ainda mais a comunidade LGBT+. Lançado em 1980, o thriller aborda a história de um policial, Steve Burns (Al Pacino), que se infiltra na comunidade gay para tentar atrair um serial killer que tem feito diversas vítimas.

Burns é um policial de ronda que acaba escolhido pelo capitão Edelson (Paul Sorvino) para se infiltrar no Meatpacking District e no West Village, onde se concentra a vida noturna e a convivência LGBT+ em Manhattan. Burns atende às características típicas das vítimas do assassino à solta e, por isso, seria o infiltrado ideal. Com algumas cenas de sexo explícito e uma tentativa clara do filme de não transformar em piada situações íntimas e vulneráveis para gays, o longa-metragem se esforça para não soar como crítica ou piada, mas falha em aprofundar nos dilemas do protagonista, que se relaciona com uma mulher, mas está disposto a mergulhar no universo LGBT+ para executar seu trabalho com eficácia e competência.

“Um Dia de Cão“ e o lugar da sexualidade na narrativa

Essa não é a primeira vez que Al Pacino aborda o tema em seus papéis. No entanto, enquanto dessa vez sua sexualidade aparece como algo performático, codificado e necessário para se infiltrar, em “Um Dia de Cão“ seu personagem é casado com uma mulher trans e o papel é completamente afetivo, humanizado e não provoca debate no filme. Sua sexualidade não é questionada ou motivo de tabu em todo o enredo do filme de Sidney Lumet. Então, por mais que o diretor de “Parceiros da Noite“, William Friedkin, tenha tentado ser respeitoso, o filme não conseguiu atingir profundidade suficiente para tratar do tema sem ser completamente desprovido de estigmas.

Uma prova cabal de sua tentativa é o fato de que ele modifica o final do livro. O assassino tem sua fisionomia alterada em diferentes cenas como uma sugestão de que os “assassinos“ da comunidade LGBT+ são toda a sociedade, que tem diferentes rostos e personalidades. Enquanto o livro de Walker é literal, o filme de Friedkin é subjetivo e exige interpretações diferentes do público. O final fica em aberto para interpretarmos da forma como enxergamos o mundo, a partir da nossa vivência.

De Kubrick a Scorsese: as referências de Friedkin

Um ponto interessante e que muito me agradou em “Parceiros da Noite“ foi a fotografia cheia de referências a clássicos do cinema, especialmente de Stanley Kubrick e Martin Scorsese. No começo do filme, quando vemos dois policiais em uma viatura pelas ruas de Nova York, é impossível não associar a fotografia e o diálogo criticando a suposta “escória da cidade“ (ainda mais vindo de dois policiais corruptos) a “Taxi Driver“. Aquela sujeira urbana, aquela atmosfera de anarquia e desordem, sombras duras e a decadência da sociedade.

Mas é especialmente em “Laranja Mecânica“ e “O Iluminado“ que vemos suas maiores referências imagéticas. Os bares, a sensação de se estar preso em um labirinto de ilusões, enlouquecido por imagens que podem ou não ser reais, nos remetem diretamente ao hotel onde Jack Torrance (Jack Nicholson) vive seus delírios. Já nas ruas, é impossível não lembrar imediatamente de “Laranja Mecânica“. Em uma cena em que Burns e um suspeito passam por um túnel, suas sombras se distorcem na parede e a imagem que me veio à cabeça foi imediatamente a dos drugues pelo túnel em busca de suas próximas vítimas. Ela representa a descida literal e figurada do protagonista ao submundo.

Vale a pena assistir?

Meu saldo final é que sim. Se do ponto de vista estético o filme muito me agrada, talvez do ponto de vista do roteiro falte algo. Falta porque Friedkin se sentiu tão pressionado a entregar um conteúdo que agradasse à comunidade LGBT+ e não soasse preconceituoso que esqueceu da verdadeira substância que faltou em seu Burns: dissecar a crise moral, a decadência humana e as dúvidas pessoais.

Filme: Parceiros da Noite
Diretor: William Friedkin
Ano: 1980
Gênero: Crime/Drama/Mistério/Suspense/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.