A sensação de revisitar “O Pai da Noiva“ é semelhante a reencontrar um parente distante que você lembrava com certo carinho, mas cujo impacto real só reaparece quando ele cruza novamente a porta da sala. A memória afetiva costuma pregar peças: esquece detalhes, ajusta proporções, mascara exageros. Porém, basta alguns instantes diante de George Banks, interpretado por Steve Martin, para perceber que essa comédia familiar, aparentemente dócil, na verdade expõe com humor afiado o colapso emocional de um homem que não sabe lidar com a passagem do tempo. A graça não está nos tropeços físicos nem nas falas aceleradas, mas na incapacidade de George de aceitar que Annie, vivida por Kimberly Williams, já não é mais a menina que ele carregava nas costas no quintal. É nesse atrito entre nostalgia e realidade que o filme encontra sua força.
O enredo se articula a partir de um anúncio aparentemente simples: Annie retorna da Europa, onde estudou arquitetura, e informa que está noiva de Bryan MacKenzie, interpretado por George Newbern. Esse gesto deveria simbolizar alegria, maturidade e expansão familiar, mas atua como uma espécie de terremoto íntimo para George, que enxerga naquele noivo educado, gentil e talentoso um usurpador. A ironia é que Bryan não faz nada de ameaçador; o que provoca a crise é justamente o oposto, sua absoluta normalidade. A reação desproporcional de George funciona como lente para observar uma masculinidade que se esfarela diante da autonomia feminina, mesmo quando essa autonomia é exercida com afeto. A comédia nasce da tensão entre o mundo que George gostaria de preservar e o mundo que insiste em se mover sem pedir sua permissão.
Enquanto a família tenta celebrar o noivado, o protagonista embarca num delírio econômico e emocional. A cada orçamento rejeitado, a cada prato de degustação rejeitado, a cada detalhe decorativo que ameaça ultrapassar o limite do razoável, George se perde numa espiral de indignação que é ao mesmo tempo patética e irresistível. Nina, interpretada por Diane Keaton, funciona como contraponto: sensata, observadora, paciente até quando não deveria ser. Ela enxerga o que George se recusa a admitir — que controlar os rituais do casamento não vai alterar o fato de que a filha já escolheu o próprio caminho. A combinação entre um pai que implora para congelar o tempo e uma mãe que reconhece a inevitabilidade do amadurecimento cria um equilíbrio narrativo que impede o filme de escorregar para a ingenuidade excessiva.
É nesse contexto que surge Franck Eggelhoffer, interpretado por Martin Short, uma figura tão exagerada que parece ter escapado de um laboratório de linguistas e estilistas hiperativos. Sua presença revela o quão absurdo é tentar domesticar um casamento. Enquanto George tenta racionalizar custos e preservar algum vestígio de controle, Franck transforma tudo em espetáculo. O contraste funciona como catalisador da narrativa: um pai que tenta proteger a filha do mundo e um planejador que amplia esse mundo até um limite quase cômico. Bryan, por sua vez, permanece como ponto de estabilidade, equilibrando o exagero do pai e o caos performático de Franck.
O filme avança em direção ao casamento com o tipo de sentimentalismo que, quando mal dosado, se torna açucarado; aqui funciona porque é filtrado por humor e contradição. George não compreende a rapidez com que Annie se afastou da infância, mas também não consegue disfarçar o orgulho que sente ao vê-la confiando em si mesma. A cena em que pai e filha caminham juntos sob a neve não serve para amaciar os conflitos, mas para lembrá-lo de algo mais profundo: ele não está perdendo Annie, apenas precisa redesenhar seu próprio papel.
Rever “O Pai da Noiva“ hoje é uma experiência curiosa porque revela um filme que parece leve, mas provoca reflexões incômodas sobre autonomia, envelhecimento e os pequenos egoísmos que escondemos sob a bandeira do amor parental. Entre exageros calculados, crises financeiras imaginárias e um desfile de personagens que orbitam em torno do pânico de George, a narrativa trabalha como uma sátira gentil sobre o medo de ficar para trás. A comédia está lá, generosa, mas o que realmente permanece é a forma como cada riso se mistura a um certo desconforto: o de perceber que crescer não é apenas tarefa dos filhos. É um processo que, cedo ou tarde, exige coragem também dos pais.
★★★★★★★★★★




