Adaptação que mistura nostalgia e tecnologia chega à Netflix como opção leve para todas as idades Divulgação / Twentieth Century Fox

Adaptação que mistura nostalgia e tecnologia chega à Netflix como opção leve para todas as idades

O reencontro com “Garfield: O Filme” costuma produzir uma sensação curiosa: a impressão de que o projeto nasceu de uma lógica industrial que não compreendeu totalmente a natureza do personagem. Bill Murray empresta a voz a Garfield com precisão vocal, mas a força desse acerto esbarra na tentativa de transformar um ícone de humor sarcástico em protagonista de uma narrativa moldada pela previsibilidade do cinema infantil do início dos anos 2000. O resultado é uma adaptação que oscila entre a nostalgia dos leitores de Jim Davis e o esforço evidente de converter um personagem de humor ácido em uma mascote dócil e palatável para novos públicos.

A estrutura do enredo deixa isso explícito. Garfield permanece fiel às suas manias essenciais: apego absoluto ao sofá, devoção à lasanha e um desprezo calculado por qualquer forma de esforço físico. Jon, vivido por Breckin Meyer, introduz a única mudança que realmente altera a dinâmica da rotina do gato ao adotar Odie, aqui transformado em um cão dócil, energético e distante da figura original. A chegada do cão produz a ruptura central: o ciúme de Garfield, que leva Odie a se afastar de casa e cair nas mãos de um apresentador de TV oportunista disposto a explorar seu talento para lucrar. A narrativa avança de maneira direta, conduzindo Garfield a abandonar seu território confortável para resgatar o rival, como se fosse necessário provar que até um cínico inveterado pode assumir um gesto de responsabilidade quando pressionado pelas circunstâncias.

O problema fundamental não está na simplicidade da trama, mas na tentativa de converter um personagem definido pelo humor seco e pela ironia quase filosófica em um agente de ações heroicas. Murray consegue sustentar parte da personalidade original, mas o conjunto se distancia da lógica estática e blasé que fez do gato uma referência cultural por décadas. Jennifer Love Hewitt, como Liz, cumpre função dramática acessória e ajuda a explicar por que Jon aceita tão facilmente a presença de Odie, mas a relação entre eles se desenvolve com velocidade artificial, como se a narrativa precisasse abrir espaço para cenas que reforcem o apelo familiar do filme.

O visual do gato sintetiza outro impasse: a escolha por um CGI híbrido, inserido em cenários reais, produz um estranhamento constante. Garfield parece deslocado do ambiente ao redor e, paradoxalmente, isso reforça a tese de que o personagem funciona melhor quando mantido em dois eixos essenciais: o traço estático do quadrinho e a animação tradicional das séries televisivas. O filme tenta atualizar esse imaginário, mas a transição apaga a contundência que sempre definiu seu humor.

Apesar disso, algumas decisões revelam respeito à lógica interna do personagem, especialmente a manutenção de sua relação amistosa com os ratos da casa e a ausência de fala de Odie, coerente com o material original. São detalhes que indicam que parte da equipe criativa conhecia bem o universo de Davis, mesmo que o conjunto tenha sido moldado por expectativas comerciais mais amplas.

O longa funciona razoavelmente para crianças e para adultos que desejam revisitar fragmentos afetivos da infância, mas falta densidade para quem enxerga em Garfield algo além de um ícone simpático. A sensação final é a de uma oportunidade desperdiçada: o filme tenta dialogar com um personagem consagrado, mas dilui justamente aquilo que sustentou sua relevância por décadas. A distância entre o potencial do material e o que se vê em tela permanece como a questão mais incisiva deixada por “Garfield: O Filme”.

Filme: Garfield: O Filme
Diretor: Peter Hewitt
Ano: 2004
Gênero: Aventura/Comédia/Fantasia
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.