O que mais me diverte em “B13 — 13º Distrito” é perceber como parte do público ainda insiste em exigir profundidade existencial de um filme que nunca prometeu nada além de pura impulsividade física. Há quem procure alegorias políticas onde só existe concreto, graxa e corpos atravessando o ar com uma convicção quase olímpica. A ironia é que, ao tentar encaixar densidade onde só impera velocidade, perdem justamente o prazer cru que o filme oferece, esse hedonismo urbano que não pede licença, apenas acelera.
A sensação de estar diante de algo que foge da lógica pasteurizada do entretenimento americano aparece logo na sequência inicial, quando David Belle transforma uma fuga banal em uma espécie de coreografia gravitacionalmente insolente. Não é apenas agilidade; é uma afronta performativa às leis da física, quase um lembrete de que o corpo humano ainda guarda segredos que nem algoritmos tentariam imitar. É aí que o filme revela sua verdadeira promessa: não quer filosofar sobre decadência urbana ou dilemas de Estado, mas provocar aquele impulso primitivo de arregalar os olhos, como quem assiste a um acrobata que decidiu abandonar o circo e declarar guerra ao tédio.
O contraste entre Belle e Cyril Raffaelli funciona como uma espécie de diálogo silencioso sobre duas formas de sobrevivência: a destreza anárquica contra a rigidez institucional. Não há virtuosismo dramático na jornada deles, e isso é ótimo. O filme recusa a pretensão de construir épicas morais e prefere lidar com uma dupla que se entende não pela troca de palavras, mas pelo reconhecimento imediato da utilidade do outro. Se um salta como se tivesse nascido em telhados, o outro avança como um martelo humano. E nessa combinação, estranhamente harmônica, o filme encontra seu ritmo.
O cenário dos distritos murados, com toda sua precariedade planejada, poderia facilmente render longas discussões sociológicas, e confesso que fiz mentalmente algumas, por hábito profissional e por um certo fascínio que tenho pela engenharia de desigualdades. Mas o filme jamais pretende entrar por esse caminho; ele apenas utiliza o ambiente como combustível dramático. O interesse está na pulsação do lugar, não em suas metáforas. O bombardeio iminente, os grupos armados, os becos onde ninguém se lembra do próprio Estado, tudo funciona como um palco onde o Parkour se transforma em verbo, impulso, resposta imediata.
Mesmo os diálogos carregados de gírias e humor ocasionalmente torto têm uma energia particular, talvez porque não soam domesticados para um público estrangeiro. Há algo quase libertador em ver um filme que não tenta explicar as próprias piadas, que não traduz cada nuance como se o espectador fosse um turista cultural. Essa recusa em facilitar aproxima o filme de uma autenticidade rara em produções de ação: ele sabe exatamente o que é e não pede desculpas por isso.
A graça inesperada é que até quem costuma desprezar esse tipo de adrenalina estilizada acaba cedendo. É o tipo de experiência que sequestra o olhar antes que o cérebro formule objeções. E quando finalmente surgem as objeções, já é tarde demais: a coreografia dos saltos, o barulho seco dos impactos e a cadência frenética das perseguições já fizeram seu estrago sensorial.
“B13 — 13º Distrito” funciona como um lembrete incômodo de que nem tudo precisa de profundidade para ter impacto. Às vezes basta velocidade, risco e uma dose generosa de criatividade física para desmontar resistências intelectuais. Entre explosões, disputas de poder e corpos desafiando alturas absurdas, o que realmente fica é a sensação rara de assistir a um filme que assume sua própria natureza com uma franqueza quase contagiante. E talvez seja exatamente isso que o torna irresistível: a recusa em ser mais do que é, somada à ousadia de ser o que Hollywood já esqueceu como fazer.
★★★★★★★★★★

