Quiçá o homem não possa mesmo ser feliz, por falta de empenho ou de vocação. A despeito das inconsistências morais do gênero humano, a natureza, de que também nós somos parte, quer apenas emitir seus rugidos, tão alto que possam despertar-nos do torpor em que comodamente nos refugiamos quando florestas velhas como o mundo ardem em fornos clandestinos ou vão para o assoalho das mansões de ricaços ignorantes. Novas espécies passam a integrar a já vasta lista dos animais em extinção, e o solo racha de sede porque o calor impiedoso não permite a formação de nuvens de chuva e a posterior precipitação da salvadora água; a própria água morre, vítima de um progresso imediatista, cínico e excludente. Em “O Troll da Montanha 2”, Roar Uthaug diz verdades incômodas lançando mão do folclore pouco conhecido para além de sua Noruega natal. Num primeiro momento, seu filme até pode privilegiar a diversão gratuita de um público já habituado a esse tipo de narrativa, mas a mão segura do diretor galvaniza em alguma proporção o potencial filosófico que o enredo possa ter.
No longa anterior, a paleobióloga Nora Tidemann fizera a descoberta cuja importância lhe tem tirado o sono há alguns anos: o fóssil de um dinossauro sobre o qual cientistas do mundo inteiro vêm travando acaloradas e infrutíferas discussões. Uma área da montanha em que as equipes trabalham fora implodida, e a partir desse ponto, um ser antropomórfico e horripilante, o colosso de pedras e líquen citado no título, passava a dominar a trama. Agora,
Uthaug e o corroteirista Espen Aukan mostram o jötunn, a soberana criatura gigantesca das selvas escandinavas, paralisado, em poder de um grupo de pesquisadores e das Forças Armadas. Nora parece mais aflita do que antes, e mesmo sabendo o que poderia acontecer caso o troll conseguisse tornar à vida, sobe até o topo da plataforma construída para observar o monstro em seus detalhes mais misteriosos e o toca. Isso é o bastante para ele despertar e pôr em risco toda a humanidade.
Antes um elemento de destaque, a mitologia perde espaço para a figura de Nora, a heroína tomada de arrependimentos e vulnerável às lembranças do que contava-lhe o pai, também cientista, sobre a existência de indivíduos pré-históricos ocupando os desvãos do globo. De uma ou de outra maneira, a protagonista faz-se presente em todos os arcos da trama, porém nem sempre é necessária, o que leva a uma monotonia e um empobrecimento do filme. Ine Marie Wilmann apresenta um desempenho irregular, ora cativante, ora involuntariamente farsesco, mas consegue transitar bem entre os diversos núcleos, sobretudo quando esboça-se o possível interesse romântico de Nora e o Major Kristoffer Holm, de Mads Sjøgård Pettersen. Mais cheia de requintes se comparada ao longa de 2022, a computação gráfica assegura os movimentos impecáveis do kaiju nórdico, ponto que acaba por sobressair nessas produções. Para o bem e para o mal.
★★★★★★★★★★
