Filme recém-chegado à Netflix promete te proporcionar gargalhadas e devolver a energia que a semana drenou Divulgação / Annapurna Pictures

Filme recém-chegado à Netflix promete te proporcionar gargalhadas e devolver a energia que a semana drenou

O curioso de “Boksmart” é que ele parte de um território já tantas vezes visitado: adolescência tardia, noites que prometem mais do que entregam, a falsa sensação de que existe um roteiro universal para crescer, e, ainda assim, insiste em cutucar o espectador com uma vitalidade que o gênero raramente sustenta. Desde cedo, fica evidente que Amy, interpretada por Kaitlyn Dever, e Molly, vivida por Beanie Feldstein, alimentam uma convicção quase religiosa de que disciplina escolar compensa cada festa perdida. A convicção delas, porém, começa a rachar quando descobrem que aqueles colegas que elas classificaram por anos como desinteressados e dispersos também conseguiram entrar nas universidades que elas idealizavam. Esse é o motor que move a narrativa, mas o filme se empenha em conduzir essa inquietação juvenil para algo que transpõe a comédia de situação.

A noite que se desdobra após essa revelação funciona como laboratório emocional das duas personagens, e cada etapa reforça que não se trata de uma busca por validação externa, e sim de uma tentativa um tanto atrapalhada de reorganizar a própria identidade. O encontro com Jared, interpretado por Skyler Gisondo, com sua ostentação ansiosa, ou as intervenções erráticas de Gigi, vivida por Billie Lourd, ajudam a expor o quanto aquelas meninas construíram uma visão limitada do mundo ao redor. O roteiro permite que elas atravessem espaços que supostamente sempre estiveram ali, mas que jamais haviam sido percebidos por conta de seus próprios filtros morais. Nesse percurso, a comédia funciona como ferramenta analítica: a gargalhada escancara fragilidades que antes pareciam certezas.

O filme se apoia também em um entendimento sensível das dinâmicas escolares contemporâneas. A famosa briga entre Amy e Molly durante a festa, capturada por dezenas de celulares, escancara o tipo de vigilância difusa que molda a convivência adolescente. O fato de os vídeos desaparecerem tão rapidamente quanto surgem revela a velocidade com que reputações são criadas, descartadas e, de certo modo, banalizadas. Nesse ponto, a direção de Olivia Wilde opta por um ritmo que combina nervosismo e espontaneidade, como se a câmera fosse cúmplice daquela corrida para recuperar o tempo perdido.

Outro eixo que torna “Boksmart” mais interessante do que aparenta é a forma casual com que aborda identidades e afetos. A trajetória afetiva de Amy, especialmente sua hesitação em se aproximar de Ryan, interpretada por Victoria Ruesga, destaca um processo de descoberta que não busca grandes epifanias. A naturalidade com que a sexualidade circula no filme desmonta expectativas tradicionais do gênero, que tantas vezes insistem em dramatizar aquilo que, para muitos jovens, faz parte da vida cotidiana. É um refresco ver personagens que não precisam justificar quem são para que a narrativa avance.

Mesmo quando o filme tropeça, como em trechos em que a verborragia das personagens alonga situações que pediam concisão, essas imperfeições acabam compondo o clima geral de urgência emocional. A noite em que tudo acontece funciona quase como rito involuntário: quanto mais elas tentam controlar os eventos, mais são obrigadas a rever o que acreditavam saber sobre si mesmas e sobre aqueles que sempre julgaram à distância.

“Boksmart” provoca uma sensação particular quando termina. Em vez de tentar impor um modelo de amadurecimento, sugere que a formação se dá nos intervalos imprevistos, nas conversas truncadas, nos deslizes que demonstram vulnerabilidade. Amy e Molly chegam ao amanhecer sem respostas definitivas, mas com uma disposição renovada para lidar com o mundo de modo menos rígido. Esse impulso, tão humano e tão fugidio, é o que mantém o filme pulsando depois da última cena, como se lembrasse ao espectador que a juventude não é território que se abandona, mas um estado mental que insiste em retornar quando encontramos coragem para enxergar as próprias contradições.

Filme: Booksmart
Diretor: Olivia Wilde
Ano: 2019
Gênero: Comédia/Coming-of-age
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★