Aurélio Buarque de Holanda: o brasileiro que fez das palavras um país

Aurélio Buarque de Holanda: o brasileiro que fez das palavras um país

Por vezes — ou, talvez, na maioria delas —, sentimos a imperiosa necessidade de definir significado às coisas. Num primeiro instante, diante desse “algo” que se revela aos olhos, não nos escasseiam palavras para descrevê-lo. É quase um gesto involuntário, pois o idioma se oferece como ferramenta imediata. No entanto, para que isso fosse possível, foi preciso, outrora, que existisse alguém dotado da genialidade e da perspicácia de compreender que, uma vez descoberta a palavra, caberia ao homem o trabalho de decifrá-la.

É a esse ofício maior que se liga o nome de Aurélio Buarque de Holanda — de Holanda apenas o sobrenome, porque brasileiro ele o foi, em confidencialidade e em definitivo. Filólogo, ensaísta, lexicógrafo: títulos não lhe faltaram. Mas ser nordestino, talvez, tenha sido sua mais alta distinção. Nascido num lugarejo de paisagem graciosa, no interior de Alagoas, ascendeu da condição de simples “bichinho” curioso, como se diz na verve popular, a um homem de espírito vasto, com olhos habituados a mirar o distante.

Aurélio consagrou a existência ao que mais amava: as palavras. Foi amante declarado da Língua Portuguesa, sua guardiã e seu artifício. Graduado em Direito, mas cedo se embrenhava pelos meandros da literatura e do magistério. Conviveu com nomes tutelares da literatura nordestina, como Graciliano Ramos, Raul Lima e Rachel de Queiroz. Ensinou Português e Literatura em colégios prestigiados, como o Anglo-Americano e o Pedro II; escreveu contos e artigos; colaborou na imprensa carioca; dirigiu a revista “Revista do Brasil” e publicou o volume “Dois Mundos”, laureado pela Academia Brasileira de Letras em 1944.

Contudo, em 1941, inaugurava uma obra que o imortalizaria: a vida de dicionarista. Primeiro, como colaborador do “Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa”. Mais tarde, após anos de trabalho minucioso e de rigor intelectual, deu à luz, em 1975, o monumental “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, que, para o povo, passou a ser simplesmente o “Dicionário Aurélio”.

Desde então, percorreu o Brasil a falar do idioma, revelando seus segredos, iluminando suas sutilezas, valorizando seus brasileirismos. Transformou o ato de consultar um dicionário em exercício de cidadania, em gesto consciente de pertencimento ao idioma materno.

Sua vida, infinita e plural, encontra-se divulgada em livros, cadernos escolares, bibliotecas, fotografias, ruas que levam seu nome e, sobretudo, na palavra — sua matéria-prima e seu legado. Ainda assim, como tantas vezes acontece neste país, a memória desse herói silencioso corre o risco de ser esquecida.

Este texto é, portanto, um convite à lembrança. Uma invocação à permanência. Porque, se há algo que não nos pode faltar, são as palavras — e a memória de quem soube amá-las com devoção.