Intimidade, virtuosismo e silêncio: o ritual musical de Mônica Salmaso dedicado a Tom Jobim

Intimidade, virtuosismo e silêncio: o ritual musical de Mônica Salmaso dedicado a Tom Jobim

Dando prosseguimento à minha busca por espetáculos teatrais e musicais em São Paulo — a metrópole que, de forma singular, se mantém como um santuário cultural no país, alheia às conjunturas políticas — deparei-me com o emblemático Palacete Tereza, a verdadeira “esquina musical” do centro, próximo à Sé. O edifício abriga um legado histórico inestimável: foi sede da pioneira Casa Bevilacqua, da influente editora Irmãos Vitale e da Rádio Record, além de ter funcionado como ponto de encontro dos músicos da cidade. Hoje, o Palacete é ocupado pela Casa de Francisca, um sofisticado centro cultural e gastronômico aclamado por sua curadoria musical. Seu sucesso impulsionou a expansão do projeto, que atualmente conta com anexos como o bar Largo da Casa de Francisca e o intimista Porão da Casa de Francisca, garantindo uma programação diversificada e constante. Sou frequentador assíduo do espaço desde 2018.

Foi justamente no Porão da Casa de Francisca que tive o privilégio de assistir ao magnífico espetáculo de Mônica Salmaso. Com formação em canto que lhe confere alcance vocal e afinação absolutamente singulares, a artista demonstra um domínio técnico raramente encontrado. Naquela noite memorável, ela nos presenteou com um show intimista e primoroso inteiramente dedicado à obra do maestro Tom Jobim, o maior compositor da MPB. Acompanhada com maestria por seu marido, Teco Cardoso, nos sopros (flauta e saxofone), e pelo exímio violonista João Camarero, Mônica apresentou uma performance que, sob todos os critérios que definem a boa música, foi inesquecível e sublime.

Em um palco despojado, sua voz preencheu o espaço com pureza e controle impressionantes. O formato intimista permitiu que cada nuance de sua interpretação fosse percebida, transformando o ambiente em uma espécie de sala de estar, onde as canções soavam como confidências delicadas. A maneira como a cantora navegou pelas melodias jobinianas — de clássicos consagrados a joias menos conhecidas — revelou uma combinação rara de reverência e originalidade.

A presença dos instrumentistas foi essencial para a criação da atmosfera. Eles não eram meros acompanhantes, mas parceiros em um diálogo musical de altíssimo nível. O arranjo, embora minimalista, revelava uma complexidade e elegância plenamente à altura da monumental obra de Jobim. A interação entre o trio era visível, marcada por olhares e sorrisos que atestavam uma profunda sintonia artística. Cada acorde e cada solo envolviam a voz de Mônica sem jamais competir com ela, sublinhando a melancolia, a poesia e o lirismo intrínsecos às composições.

O repertório, centrado na obra atemporal de Tom Jobim, ganhou novas e sutis cores. A canção “Tema de Amor de Gabriela”, cuja riqueza harmônica a aproxima de uma pequena sinfonia jobiniana, foi redescoberta em uma interpretação que, sem alterar sua estrutura, iluminou de forma brilhante a genialidade perene da música brasileira.

Foram quase duas horas de um percurso afetivo por uma parte significativa da obra de Jobim — um percurso que demonstra que, no quesito qualidade musical, o Brasil ainda não se perdeu e persiste na capacidade de produzir música de verdade, apesar do hiato cultural imposto por uma mídia excessivamente venal e populista.

Ao final, a sensação dominante era a de ter participado de um ritual de beleza sonora. O espetáculo confirmou que a verdadeira grandeza musical não reside na ostentação, mas na profundidade, na delicadeza e na capacidade de emocionar em sua forma mais pura. Uma apresentação verdadeiramente memorável.