Ficção científica com Adam Driver acaba de chegar à Netflix e é o programa perfeito para quem quer fugir da realidade sem precisar pensar demais Divulgação / Sony Pictures Releasing

Ficção científica com Adam Driver acaba de chegar à Netflix e é o programa perfeito para quem quer fugir da realidade sem precisar pensar demais

Uma produção como “65: Ameaça Pré-Histórica” desperta uma curiosidade quase infantil, daquele tipo que mistura expectativa com a suspeita de que algo está ligeiramente fora do lugar. Não é todo dia que Adam Driver atravessa um território primitivo enfrentando criaturas que parecem ter escapado de um manual ilustrado de paleontologia turbinado por pesadelos. Esse encontro entre ficção científica e sobrevivência poderia ter rendido uma experiência devastadora, daquelas que deixam o espectador reorganizando as próprias teorias sobre evolução e acaso. Mas o filme trilha outro caminho: menos grandioso, mais contido, ainda assim intrigante em sua modéstia narrativa.

A história acompanha Mills, interpretado por Adam Driver, um piloto espacial que aceita uma missão para financiar o tratamento médico de sua filha e termina acidentalmente perdido em um planeta hostil que, para surpresa nenhuma, é revelado ser a Terra pré-histórica. O que poderia parecer um truque narrativo barato funciona melhor do que o esperado, especialmente porque o filme concentra sua tensão no vínculo entre Mills e Koa, vivida por Ariana Greenblatt. Ela fala um idioma que o protagonista não compreende, o que transforma cada gesto em ponte ou abismo. A relação entre os dois é o eixo emocional do enredo, e talvez o elemento mais sofisticado do longa, mesmo que involuntariamente. O filme não tenta criar metáforas grandiosas sobre comunicação; prefere deixar que a fragilidade de dois seres isolados fale por si.

A dinâmica entre eles ganha força justamente porque o ambiente ao redor insiste em recordar que qualquer distração pode ser fatal. A selva parece sussurrar que o futuro da dupla depende menos dos aparelhos tecnológicos que Mills carrega e mais da capacidade de improviso diante de predadores que não estão interessados em qualquer forma de negociação. Os diretores Scott Beck e Bryan Woods até insinuam um duelo entre conhecimento científico e brutalidade primitiva, mas abandonam a ideia cedo demais, como se temessem que um grande comentário diminuísse o impacto de cada embate físico. Isso gera um curioso desequilíbrio: algumas cenas exploram bem a engenhosidade de Mills, enquanto outras se apoiam exclusivamente no espetáculo dos ataques, sem aprofundar o potencial temático.

Essa oscilação também aparece nos efeitos visuais. Em certos momentos, os dinossauros parecem emergir de uma produção televisiva perdida nos anos 2000; em outros, assumem um realismo agressivo que combina com a tensão crescente do último ato. Essa irregularidade enfraquece parte da imersão, mas não elimina o fascínio das criaturas, principalmente quando a câmera insiste em observar detalhes que acentuam sua estranheza. É como se o filme tivesse consciência do próprio orçamento e tentasse driblar suas limitações com um senso de espetáculo estratégico.

A presença do nome de Sam Raimi como produtor gera a falsa impressão de que o filme vai abraçar o caos criativo típico do cineasta, mas Beck e Woods mantêm tudo num registro mais discreto, quase disciplinado demais para um conceito tão promissor. Ainda assim, a dupla consegue estruturar momentos de genuína tensão, especialmente quando Mills percebe que sua sobrevivência está condicionada não apenas à habilidade de eliminar ameaças, mas à necessidade de construir algum tipo de confiança com Koa. Essa camada emocional funciona como contrapeso para a ação intermitente, mesmo que o roteiro às vezes desperdice oportunidades mais ousadas.

O ritmo também sofre com trechos em que pouca coisa realmente acontece, e não por uma escolha estética refinada, mas pela sensação de que personagens e espectadores estão simplesmente aguardando o próximo ataque. Esses intervalos poderiam aprofundar questões existenciais sobre isolamento, culpa ou responsabilidade, mas preferem permanecer na superfície. O que garante algum interesse é a interpretação de Adam Driver, que infunde gravidade ao personagem mesmo quando o enredo parece hesitar sobre o que fazer com ele.

Ainda assim, há algo curioso no modo como o filme abraça sua simplicidade. Talvez seja esse desinteresse por grandiloquência que o torna mais honesto do que muitas produções que tentam encobrir fragilidades com discursos sobre humanidade e legado. “65: Ameaça Pré-Histórica” não oferece respostas transformadoras, mas também não tenta se vender como epifania. No fim, o que permanece é a sensação de que o cinema ainda se permite brincar com ideias aparentemente improváveis, mesmo quando não as leva tão longe quanto poderia.

O filme funciona como lembrete de que nem toda narrativa que mistura ficção científica e criaturas ancestrais precisa buscar grandeza para justificar sua existência. Às vezes basta acompanhar um homem que tenta sobreviver num território que não o reconhece, guiando uma garota que é, ao mesmo tempo, desconhecida e indispensável. Essa combinação inesperada produz um tipo particular de encanto, discreto, mas persistente, que continua trabalhando na memória mesmo depois que os dinossauros retornam ao silêncio de onde vieram.

Filme: 65: Ameaça Pré-Histórica
Diretor: Scott Beck e Bryan Woods
Ano: 2023
Gênero: Ação/Aventura/Ficção Científica/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★