“Lee” apresenta Lee Miller já afastada da imprensa, em 1977, quando recebe em sua casa de campo um jovem jornalista disposto a registrar sua trajetória. Vivida por Kate Winslet, ela aceita relembrar o período em que atuou como fotógrafa de guerra da Vogue, e o longa, dirigido por Ellen Kuras e adaptado da biografia “The Lives of Lee Miller”, de Antony Penrose, passa a reconstruir sua vida entre os anos 1930 e 1945. O elenco reúne Andy Samberg, Marion Cotillard, Andrea Riseborough, Noémie Merlant, Josh O’Connor e Alexander Skarsgård, que interpretam colegas de redação, aliados de campo e laços afetivos interrompidos pelo conflito.
O enredo retorna à França pré-guerra, onde Lee fotografa artistas e modelos em ambiente ainda distante da violência que se aproxima. A mudança começa quando notícias sobre a ascensão nazista cercam o círculo boêmio em que ela circula. Insatisfeita com trabalhos superficiais, Lee decide buscar espaço na Vogue britânica, em Londres. Já contratada, pressiona a editora Audrey Withers, vivida por Andrea Riseborough, para retratar o impacto dos bombardeios alemães sobre civis. A disputa entre o desejo de informar e as restrições editoriais define as primeiras tensões e altera o que chega às páginas da revista.
Quando Londres passa a sofrer ataques diários, Lee fotografa os abrigos subterrâneos, os escombros e a rotina de famílias deslocadas. Essas imagens substituem ensaios de moda e introduzem um novo entendimento do papel da publicação durante o conflito. A relação entre Lee e Withers se reconfigura: a editora precisa negociar com censores, enquanto a fotógrafa insiste em mostrar destruição e resiliência sem filtros. A cada fotografia publicada, fica mais claro que o trabalho de Miller depende tanto de captar a cena quanto de discutir, na redação, qual recorte será exibido.
A entrada dos Estados Unidos na guerra cria outra frente de atuação. Como cidadã americana, Lee obtém credenciamento para acompanhar tropas aliadas no continente, ao lado do fotógrafo David Scherman, papel de Andy Samberg. A partir dessa etapa, o filme adota ritmo mais próximo do drama de guerra, com deslocamentos por estradas tomadas por tanques, cidades destruídas e unidades em avanço. A narrativa alterna o gesto técnico — escolher ângulo, medir luz, disparar — e o impacto desse gesto, quando ela revisa contatos e percebe o peso do que registrou.
Uma das passagens marcantes ocorre em Saint-Malo, onde Lee acompanha o cerco a posições alemãs e fotografa efeitos de arma incendiária sem saber que se trata de napalm. O registro da cena e a descoberta posterior do tipo de armamento ampliam seu entendimento sobre o que a guerra cobra de quem a fotografa. Em Paris, o filme acompanha a libertação da cidade, os acertos de contas entre colaboradores e resistentes e o reencontro de Miller com Solange d’Ayen, editora francesa da Vogue interpretada por Marion Cotillard, marcada pela prisão durante a ocupação. Essas cenas conectam trauma individual à euforia coletiva do período.
A parceria com Scherman funciona como eixo prático e emocional. Eles compartilham alojamentos improvisados, veículos e discussões diretas sobre ética, limites e desgaste físico. Cenas de trabalho dividem espaço com conversas em que os dois avaliam o perigo de transformar sofrimento em rotina. Essa convivência prepara terreno para a conhecida imagem de Lee na banheira do apartamento de Hitler, recriada como momento de pausa e incredulidade diante do contraste entre requinte do local e devastação ao redor.
A chegada a Buchenwald e Dachau leva o filme ao limite do que coloca em quadro. Kuras opta por mostrar o rosto de Miller nas horas em que a fotógrafa hesita em levantar a câmera diante de corpos acumulados e sobreviventes debilitados. As fotos resultantes, vistas em contatos e ampliações, revelam escolhas difíceis feitas diante de situações extremas. De volta a Londres, a protagonista se revolta ao descobrir que parte do material mais duro foi barrado por censores preocupados com a reação do público. A frustração reforça a dimensão política de seu trabalho, que não termina no campo de batalha, mas se estende à disputa por espaço nas páginas da revista.
A narrativa alterna continuamente passado e presente. Em 1977, o filho Antony Penrose, vivido por Josh O’Connor, tenta entender os silêncios que marcaram a convivência familiar. A convivência doméstica é atravessada por bebida, temperamento explosivo e longos períodos de recolhimento. O material guardado em caixas — negativos, contatos, cartas — evidencia que parte da história de Miller permaneceu sem exame até aquela visita tardia. Antony encontra pastas e recortes, pergunta por datas e recebe respostas breves, enquanto a montagem corta dessas cenas para momentos centrais da guerra, reforçando lacunas que a fotógrafa não conseguiu preencher.
À medida que Antony avança pela casa, a presença física das imagens se torna dominante. Ampliadores antigos, cópias encostadas em paredes e caixas com negativos sinalizam anos de trabalho acumulado sem organização definitiva. Lee, já doente, observa o filho manusear o acervo com cautela. O contraste entre a energia da repórter em campo e o cansaço da mulher madura produz síntese do arco dramático: o preço de testemunhar a guerra se impõe até nos gestos comuns do presente.
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