O ponto de partida expõe uma rotina de alvos contratados e uma cobertura que mascara outra identidade. A protagonista administra contatos, avalia riscos e cumpre tarefas com discrição até que um ataque atinge o homem que a treinou e deu abrigo. A partir daí, o enredo acelera: ela recolhe pistas no local, cruza nomes, volta a endereços visitados por agentes terceiros e percebe a presença de um rival com acesso equivalente. “A Profissional” apresenta esse tabuleiro em poucos movimentos e coloca a personagem diante de intermediários que negociam silêncio. O dano pessoal transforma contrato em missão, e cada avanço depende de leitura de sala, tempo de resposta e domínio de saídas.
Nas primeiras passagens, “A Profissional” apresenta elenco e assinatura: Maggie Q interpreta a assassina que assume a investigação, Michael Keaton encarna o opositor interessado em preservação própria e informação útil, e Samuel L. Jackson aparece como o mentor que ensinou tática, prudência e cobrança por resultados. A direção é de Martin Campbell, interessado em ação que se entende pela lógica dos corpos em ambiente controlado. O filme prefere progressão por causa e efeito observável, sem atalhos expositivos. Quando a protagonista entra, mira, avança e recua, a câmera registra o percurso de forma legível, o que permite acompanhar decisões e consequências.
Campbell conduz as sequências de confronto com atenção à clareza dos eixos e à geografia de cada local. Em corredores estreitos, o quadro se mantém aberto o suficiente para quem assiste reconhecer pontos de cobertura e ângulos de ataque. Em salas com múltiplas portas, cortes pontuam viradas de posição sem quebrar a orientação. Em invasões noturnas, a luz delimita corredores de movimento e deixa sombras para onde a ameaça pode escapar. A montagem alterna planos médios, detalhes de impacto e respiros curtos que antecedem explosões de movimento. A legibilidade não sacrifica pressão: quando a protagonista precisa cruzar oito metros sob fogo, a sequência permite medir distância, tempo e risco.
Maggie Q apoia esse desenho físico com precisão de gestos. O modo como ela segura armas curtas, usa mobiliário para cobertura e ajusta a respiração em momentos de espera sustenta verossimilhança do ofício. Há atenção a pequenas práticas: verificar espelhos, checar reflexos em vitrines, deslocar-se encostando em superfícies para reduzir ângulo exposto. Esses detalhes constroem credibilidade e mantêm a tensão mesmo quando não há disparos. Em diálogo com essa presença, Michael Keaton trabalha inflexões de voz, pausas e leve ironia que escondem cálculo. Em encontros entre os dois, qualquer objeto de mesa pode virar arma e toda resposta contém segunda intenção. Samuel L. Jackson, por sua vez, oferece memória e pragmatismo; aponta rotas, indica nomes e cobra cautela com a experiência de quem já recolheu consequências.
O som reforça as decisões. Passos sobre metal soam diferentes de passos sobre madeira úmida; portas pesadas exigem esforço audível; silenciadores não camuflam o impacto do projétil em diferentes superfícies. A trilha evita inflar a cena e entra com marcações breves que indicam viradas de risco. A fotografia varia entre interiores recortados, onde lâmpadas deixam faixas de luz que desenham caminhos, e exteriores molhados, que ampliam reflexos e sugerem vigilância. Em escritórios de fachada respeitável, a imagem limpa introduz tensões por contraste: riso contido demais, vigilante deslocado, guarda que observa um segundo a mais do que o necessário.
O suspense cresce por informação e contrainformação. A protagonista recompõe ligações entre contratos antigos e novas mortes, identifica quem pagou por um serviço que não deveria constar em lugar algum e deduz por que certos nomes desapareceram de bancos de dados. Quando um elo cai, outro contato se move para cobrir o buraco. O filme encurta janelas de ação e pressiona a personagem a decidir sem todas as garantias. Em enquadramentos amplos, é possível mapear mentalmente saídas; em enquadramentos fechados, a aposta é no risco do improviso. A cada acerto, os adversários fecham o cerco; a cada erro, um aliado vira alvo.
A encenação evita acrobacias gratuitas e privilegia lógica tática. Em embates corpo a corpo, a protagonista usa joelhos, cotovelos e objetos próximos com eficiência, sempre buscando encurtar distância contra oponentes mais fortes. Em tiroteios, a atenção recai sobre recarga, linha de tiro e cobertura, sem saltos milagrosos. O desenho dos ambientes colabora: cozinhas industriais com vapor e metal, garagens com colunas que criam ângulos mortos, bibliotecas que escondem passagens e ofertam madeira espessa como escudo momentâneo. Cada cenário fornece oportunidade e ameaça, e a câmera registra essas possibilidades antes de as ações ocorrerem.
O roteiro também reserva espaço para um jogo de sedução estratégica entre a protagonista e o personagem de Keaton. Não há promessa de parceria duradoura, mas ocasiões em que interesses coincidem. Nesses momentos, o diálogo funciona como negociação de curto prazo. A escolha de palavras, a distância entre corpos e o tempo de cada olhar medem confiança possível. O filme confere a essas cenas uma cadência distinta: menos cortes, mais atenção às micro reações. O risco nunca sai do quadro, apenas muda de forma.
Em paralelo, a perda que dispara a história reaparece como motor. A memória do mentor não serve de ornamento; ela orienta prioridades e explica por que a protagonista aceita entrar em zonas de maior exposição. Isso dá consistência às decisões que parecem temerárias. Quando precisa recuar, ela recua. Quando precisa cercar, chama reforço ou cria distrações. Quando não há outra saída, aposta em surpresa e economia de movimentos. Essa coerência sustenta a progressão e evita dependência de discursos justificadores.
Martin Campbell conduz o material com atenção à função dramática de cada elemento. Não há ornamentação solta: uma faca guardada em tomada anterior retorna em momento de necessidade; um alarme testado antes informa rotas de fuga; uma câmera de segurança com ponto cego define por onde passar. A soma dessas escolhas favorece a sensação de causa e efeito contínuo. Sem anunciar temas, o filme trata de custo do ofício, preço da lealdade e limite entre código e sobrevivência, sempre por gestos e consequências visíveis.
A livraria reabre discretamente; a vitrine esconde o ferramental, o telefone repousa à espera e a porta tranca com um clique seco.
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