Comédia com Woody Harrelson que vai te ensinar mais sobre empatia que livro de autoajuda, na Netflix Divulgação / Focus Features

Comédia com Woody Harrelson que vai te ensinar mais sobre empatia que livro de autoajuda, na Netflix

Ninguém se prepara para descobrir que sabe pouco sobre empatia. “Campeões” faz exatamente isso: escancara o quanto a convivência com o outro costuma ser mediada por estereótipos, boas intenções mal informadas e uma mania persistente de achar que inclusão é caridade. A produção de Bobby Farrelly não tenta dourar a realidade, e talvez por isso esteja alguns pontos acima das comédias que transformam diversidade em vitrine moralizante.

Marcus, vivido por Woody Harrelson, é um treinador de basquete tecnicamente eficiente e humanamente desastroso. Entende jogadas complexas, mas tropeça no básico: reconhecer que seu talento nunca foi suficiente para tornar sua presença desejável. Condenado a treinar o time Friends como parte de sua prestação de serviços comunitários, age como quem acredita estar oferecendo generosidade. Só não percebe que chegou atrasado a uma partida que não gira em torno do seu protagonismo.

O elenco do time é composto por pessoas com deficiência intelectual interpretando personagens com deficiência intelectual. Isso não deveria ser novidade, mas ainda é. O resultado é um frescor raro: falas que escapam ao roteiro engessado e comportamento que existe sem pedir bênção ao controle dramático hollywoodiano. Nada ali soa como laboratório de imitação. A vida pulsa com ruídos, interrupções, improviso. E é justamente esse caos sincero que desarma o espectador.

A narrativa segue o esqueleto tradicional do cinema esportivo: um grupo improvável rumo a um campeonato que parece distante demais. A previsibilidade, no entanto, não empobrece a experiência. Pelo contrário. Quando sabemos para onde a bola vai, conseguimos olhar para quem a conduz. Cada jogador tem uma trajetória própria, com medos que não são mitificados e desejos que não são tratados como prejuízos. O filme não tenta purificar as limitações nem transformá-las em superpoder. Reconhece que humanidade também é imperfeição.

Marcus, ao longo desse processo, descobre que seus fracassos não foram resultado de azar ou falta de oportunidades, mas da incapacidade de enxergar o outro como igual. E a relação com Alex, irmã de um dos atletas, funciona como extensão desse aprendizado. Ela não surge para redimir o personagem, e sim para lembrá-lo de que afeto exige esforço, pactos diários e uma certa dose de vulnerabilidade. Crescer dói um pouco, mas dói bem menos quando paramos de fugir de nós mesmos.

“Campeões” é remake de um filme espanhol, porém a adaptação norte-americana não se limita a trocar idioma e paisagem. Há um cuidado em tratar o tema sem o sentimentalismo que costuma sequestrar narrativas sobre pessoas com deficiência. O humor nasce do reconhecimento, não do ridículo. Rimos porque nos vemos transparentes: torcendo, exagerando, errando, tentando outra vez. E nesse reflexo, entendemos que o ridículo nunca esteve neles, mas nas barreiras inventadas por quem julga de longe.

Enquanto a indústria oscila entre tutelar corpos diversos ou ignorá-los por completo, “Campeões” propõe uma alternativa simples e poderosa: ceder o centro. Os atletas não são acessórios dramáticos para corrigir um homem falho. São protagonistas que obrigam a câmera a seguir seu ritmo, sua verdade e seus limites. Quando o filme chega ao momento decisivo da competição, o que emociona não é o resultado, e sim o fato de que aquela celebração poderia estar acontecendo em qualquer quadra escolar do mundo.

No fundo, “Campeões” nos confronta com uma pergunta incômoda: por que ainda tratamos como extraordinário aquilo que deveria ser apenas normal? Se existe uma mensagem que vale a prorrogação, é esta: dignidade não é troféu, é ponto de partida. O resto, como sempre, depende da nossa capacidade de não atrapalhar quem só quer jogar.

Filme: Campeões
Diretor: Bobby Farrelly
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★