Ninguém se prepara para descobrir que sabe pouco sobre empatia. “Campeões” faz exatamente isso: escancara o quanto a convivência com o outro costuma ser mediada por estereótipos, boas intenções mal informadas e uma mania persistente de achar que inclusão é caridade. A produção de Bobby Farrelly não tenta dourar a realidade, e talvez por isso esteja alguns pontos acima das comédias que transformam diversidade em vitrine moralizante.
Marcus, vivido por Woody Harrelson, é um treinador de basquete tecnicamente eficiente e humanamente desastroso. Entende jogadas complexas, mas tropeça no básico: reconhecer que seu talento nunca foi suficiente para tornar sua presença desejável. Condenado a treinar o time Friends como parte de sua prestação de serviços comunitários, age como quem acredita estar oferecendo generosidade. Só não percebe que chegou atrasado a uma partida que não gira em torno do seu protagonismo.
O elenco do time é composto por pessoas com deficiência intelectual interpretando personagens com deficiência intelectual. Isso não deveria ser novidade, mas ainda é. O resultado é um frescor raro: falas que escapam ao roteiro engessado e comportamento que existe sem pedir bênção ao controle dramático hollywoodiano. Nada ali soa como laboratório de imitação. A vida pulsa com ruídos, interrupções, improviso. E é justamente esse caos sincero que desarma o espectador.
A narrativa segue o esqueleto tradicional do cinema esportivo: um grupo improvável rumo a um campeonato que parece distante demais. A previsibilidade, no entanto, não empobrece a experiência. Pelo contrário. Quando sabemos para onde a bola vai, conseguimos olhar para quem a conduz. Cada jogador tem uma trajetória própria, com medos que não são mitificados e desejos que não são tratados como prejuízos. O filme não tenta purificar as limitações nem transformá-las em superpoder. Reconhece que humanidade também é imperfeição.
Marcus, ao longo desse processo, descobre que seus fracassos não foram resultado de azar ou falta de oportunidades, mas da incapacidade de enxergar o outro como igual. E a relação com Alex, irmã de um dos atletas, funciona como extensão desse aprendizado. Ela não surge para redimir o personagem, e sim para lembrá-lo de que afeto exige esforço, pactos diários e uma certa dose de vulnerabilidade. Crescer dói um pouco, mas dói bem menos quando paramos de fugir de nós mesmos.
“Campeões” é remake de um filme espanhol, porém a adaptação norte-americana não se limita a trocar idioma e paisagem. Há um cuidado em tratar o tema sem o sentimentalismo que costuma sequestrar narrativas sobre pessoas com deficiência. O humor nasce do reconhecimento, não do ridículo. Rimos porque nos vemos transparentes: torcendo, exagerando, errando, tentando outra vez. E nesse reflexo, entendemos que o ridículo nunca esteve neles, mas nas barreiras inventadas por quem julga de longe.
Enquanto a indústria oscila entre tutelar corpos diversos ou ignorá-los por completo, “Campeões” propõe uma alternativa simples e poderosa: ceder o centro. Os atletas não são acessórios dramáticos para corrigir um homem falho. São protagonistas que obrigam a câmera a seguir seu ritmo, sua verdade e seus limites. Quando o filme chega ao momento decisivo da competição, o que emociona não é o resultado, e sim o fato de que aquela celebração poderia estar acontecendo em qualquer quadra escolar do mundo.
No fundo, “Campeões” nos confronta com uma pergunta incômoda: por que ainda tratamos como extraordinário aquilo que deveria ser apenas normal? Se existe uma mensagem que vale a prorrogação, é esta: dignidade não é troféu, é ponto de partida. O resto, como sempre, depende da nossa capacidade de não atrapalhar quem só quer jogar.
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