Há algo deliciosamente anacrônico em ver Brad Pitt, aos sessenta e poucos, correr por um trem japonês a trezentos por hora como se a vida dependesse da coreografia. Talvez dependa. “Trem Bala” não pretende ser realista, e justamente por isso funciona. David Leitch, aquele ex-dublê que aprendeu a transformar quedas em narrativa, constrói um espetáculo que é menos sobre ação e mais sobre a estética do colapso. É um filme que não quer convencer: quer divertir, e o faz com uma elegância brutal e um senso de humor que beira o niilismo pop.
O roteiro é uma sinfonia de absurdos, mas tocada com precisão de relojoeiro. Cada personagem é um fragmento de insanidade com timing cômico. O que parece aleatório, uma garrafa de água, um amuleto, um golpe mal dado, vai se amarrando com o prazer de quem embarca numa viagem sem destino, mas com drinks servidos. Não há aqui espaço para introspecção: as balas substituem os silêncios, os socos viram pontuação. E no centro do delírio está Ladybug, o assassino em crise existencial interpretado por Pitt, que trata o karma como se fosse uma planilha de autocuidado.
Leitch filma como quem monta um videogame lisérgico: tudo é rápido, colorido, teatral. O trem se torna personagem, metáfora e piada, uma cápsula de velocidade onde o acaso se disfarça de destino. O Japão do filme é o Japão de um ocidental em êxtase visual: néons, mascotes, templos, cortes de sushi e espadas, tudo numa colagem deliberadamente kitsch, que não pede licença nem perdão. É a globalização transformada em parque de diversões, onde até a violência parece higienizada por uma trilha sonora irresistível.
O elenco é um desfile de carisma e ironia. Brian Tyree Henry e Aaron Taylor-Johnson funcionam como um duo shakespeariano que caiu num desenho animado: falam de moralidade entre socos, filosofam sobre Thomas, o trenzinho, e conseguem a proeza de dar substância a um roteiro que não finge ter alma. Já Pitt, com aquele ar de surfista zen, faz da leveza sua arma secreta. Ele ri de si mesmo, e nós rimos com ele, não por deboche, mas por reconhecimento: há algo de profundamente humano em ver alguém tentar ser melhor enquanto tudo explode ao redor.
Mas talvez o maior charme de “Trem Bala” esteja no fato de não querer provar nada. Em tempos em que o cinema de ação tenta justificar sua própria existência com discursos sobre trauma e redenção, Leitch parece dizer: e se o prazer for o ponto? O filme abraça a futilidade com uma honestidade desarmante. E é justamente essa leveza que o torna sofisticado. Há inteligência no riso, e coragem em não buscar profundidade onde o que interessa é a superfície, brilhante, veloz, impecavelmente coreografada.
“Trem Bala” é um lembrete hedonista: a arte não precisa sempre ensinar, redimir ou emocionar, às vezes, basta entreter com estilo. E se o mundo está mesmo descarrilhando, que seja num trem de luxo, com boa trilha sonora e Brad Pitt filosofando sobre azar. A viagem, afinal, é curta demais para levar tão a sério a própria pressa.
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