O filme brasileiro que foi aplaudido de pé por 13 minutos em Cannes e é um dos mais cotados ao Oscar 2026 Divulgação / Arte France Cinéma

O filme brasileiro que foi aplaudido de pé por 13 minutos em Cannes e é um dos mais cotados ao Oscar 2026

“O Agente Secreto”, longa de espionagem brasileiro cotado para o Oscar 2026, é minucioso em cada uma de suas várias camadas. O diretor, Kleber Mendonça Filho, não é nem um pouco bobo. Cada uma dessas camadas é pensada estrategicamente e preenche o recheio da mensagem desse filme que não entrega tudo na superfície, mas tem um subtexto vasto.

A história é contada em três linhas cronológicas. A principal delas é ambientada em 1977 e gira em torno de Armando (Wagner Moura), que retorna para sua cidade natal, Recife, sob o pseudônimo Marcelo e se esconde em um pequeno condomínio liderado por Dona Sebastiana (Tânia Maria). Ali mora uma pequena comunidade de refugiados, pessoas que estão sendo, de alguma forma, perseguidas, e ali assumem novas identidades e profissões, sendo protegidas pela anfitriã, em uma atuação brilhante, carismática e orgânica de Tânia Maria, que também estrelou “Bacurau”.

Demora até que seja revelado o que Armando (ou Marcelo) fez ou quem ele é. Sabemos que ele está sendo procurado por uma dupla de pistoleiros, Augusto (Roney Vilella) e Bobbi (Gabriel Leone), contratada para matá-lo. É contexto de Ditadura Militar, então sabemos que há relação com a censura estatal e a violência institucionalizada. Mas é só lá pela metade do filme que é revelado que Armando é coordenador do departamento de engenharia em uma universidade federal.

Ele não é militante de esquerda, não está filiado a partidos políticos, nunca praticou nenhum tipo de violência ou se envolveu em movimentos sociais. O filme nunca trata disso. Ele é um intelectual que desenvolve projetos de pesquisa em uma universidade federal. Mas, quando o empresário Ghirotti (Luciano Chiarelli) e seu filho surgem para conhecer os projetos desenvolvidos pelo departamento de Armando, as coisas se complicam. É que Ghirotti e a estatal na qual trabalha, a Eletrobrás, simbolizam a corrupção governamental que se vê prejudicada pelos estudos de Armando e dos outros professores. Ghirotti surge para drenar os financiamentos e fechar o departamento, porque aparentemente há informações demais sendo reveladas que podem prejudicar a corrupção dos militares. Durante a ditadura, houve repressão ostensiva às universidades e aos cientistas.

Uma discussão em um restaurante ao estilo “O Poderoso Chefão”, em que a esposa de Armando, Fátima (Alice Carvalho), discute com Ghirotti, sela seu destino. Ela morre. A causa nunca é plenamente revelada. Armando diz ao filho pequeno, Fernando, que a mãe teve pneumonia. Mas a verdade é que a morte não esclarecida de Fátima é mais um dos fantasmas da ditadura. É mais uma morte “apagada”, esquecida, sem justificativa e sem corpo. Assim como a perna humana que é encontrada na barriga de um tubarão e que toma os noticiários, colocando o filme “Tubarão”, de Steven Spielberg, de volta às salas de cinema. A perna aparece sem o resto do corpo, e os policiais discutem: “Pelo menos foi só a perna. O problema é se aparecer o resto do corpo.” Deixando claro que o predador não foi o tubarão, mas a polícia. A vítima, como todas as outras da ditadura, não possui rosto, porque foi apagada, desaparecida. Mas a verdade sempre retorna à superfície.

A perna, ainda, faz com que Mendonça Filho traga o folclore nordestino da “Perna Cabeluda”, que surge por ruas, becos e parques da cidade chutando pessoas. O mito, muito comum em Pernambuco e alguns outros estados próximos, se popularizou e se fortaleceu exatamente nas décadas de 1960 e 1970, no período da Ditadura Militar. Inconscientemente, a população agregou à cultura popular um símbolo da repressão, da violência sem rosto, uma perna que ataca, mas não tem identidade. É como se o povo encontrasse no folclore uma forma de rir do que teme, de tornar absurdo, e até ridículo, seu próprio assombro.

Rodado em Panavision, com uma paleta que oscila entre tons terrosos e a estética documental, o noir tropical dialoga com clássicos de Francis Ford Coppola, Costa-Gavras e Sydney Pollack. Com transições que remetem aos clássicos de espionagem, o filme, que leva o título “O Agente Secreto”, não tem agente nenhum. Kleber Mendonça Filho brinca com o clima clandestino da Ditadura Militar, em que há uma claustrofobia e paranoia generalizada, para dizer que “todos nós estamos ocultando nossas identidades aqui”, porque o Estado persegue qualquer pessoa que simbolize algum tipo de ameaça, mesmo quando não há nenhuma real ameaça.

As outras linhas temporais são a atualidade, quando pesquisadoras de uma universidade escutam fitas gravadas do caso de Armando, e, também, os flashbacks em que ele se recorda de eventos que antecederam sua perseguição. Tomaz Alves Souza e Mateus Alves, que trabalham na trilha, se preocuparam mais em dar uma textura sonora do que em inserir temas melódicos. Há muitos sons ambientes, ruídos, rádios… tudo isso reforça a paranoia da época.

Em Cannes, “O Agente Secreto” levou os prêmios de melhor diretor e melhor ator. As premiações e a recepção calorosa nos festivais são justos. O filme de Mendonça Filho vale cada elogio. As atuações são a alma do filme, especialmente de Wagner Moura e Tânia Maria. O enredo ainda mistura thriller político com ode ao cinema e à capital pernambucana, conectando diretamente o longa ao documentário anterior do cineasta, “Retratos Fantasmas”.

Filme: O Agente Secreto
Diretor: Kleber Mendonça Filho
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Crime/Drama/Espionagem
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.